Um problema patológico

Por Adriana Vandoni

Qual é a função de uma administração pública? Defender a equidade social e garantir os direitos a todos os cidadãos, sem distinção.
Todos sabem disso, certo? Errado. O meu amigo Mário não pensa assim. Para ele, o poder público deve agir diferenciando as pessoas. Segundo meu amigo, uns possuem legitimidade para cobrar direitos e outros não possuem. Ele acha que os que moram em bairros centrais de Cuiabá merecem todo o castigo de uma má administração, sem que lhes seja concedido o direito de reclamar seus direitos.

Estava comentando com meu amigo Mário, a luta dos moradores do bairro Goiabeiras para que a administração municipal cumpra seu dever de modo a lhes garantir a dignidade do descanso. Direito que foi retirado dos cidadãos do bairro desde que um bar resolveu se instalar lá e, de forma ilegal numa área residencial, promover shows ao vivo, som eletrônico, sem que a prefeitura e os responsáveis pela poluição sonora da cidade tomem atitude.
Meu amigo insinuou, assim num tom meio de rancor e gozo, que foi bem feito que os cidadãos do bairro goiabeiras tenham perdido um direito que lhes era garantido em lei. Afinal, segundo ele, é a burguesia. E à burguesia, todo o castigo.
Ele, esquizofrenicamente, não vê como inoperância da gestão pública municipal, vê como escolha de prioridades. Para ele esta gestão prioriza os bairros mais afastados em detrimento dos bairros centrais, que ele chama, pejorativamente, de “jardins de Cuiabá”.
O que Mario não disse, ou prefere não dizer, é que os cidadãos não estão tendo amparo da prefeitura independente do bairro onde vivem. Logo não é uma questão de prioridade, é de responsabilidade. Um belo discurso retrógrado entrelaçado com a ânsia de defender a gestão municipal, faz com que Mario não enxergue a realidade da cidade.
Cito aqui apenas dois dos inúmeros relatos que recebi, de problemas exatamente iguais aos dos moradores dos “jardins” e que, sem distinção, contam com o descaso da prefeitura municipal de Cuiabá. Os moradores do CPA IV vivem a tortura de noites sem dormir com o barulho do “Bar do Nunes”, que funciona aos berros de segunda a sábado. Já os que moram no CPA III, perto da caixa d’água grande, são importunados pelo “Bar Contorno”, que funciona bem ali, ao lado do Mercado Esquinão.
Fui e conversei com os moradores do CPA que disseram já estarem desistindo de pedir providência da secretaria municipal de meio ambiente, eles não possuem mais instrumentos para fazer com que o poder público lhes atenda.
Tá vendo Mário, tal qual os moradores dos “jardins”? O que os diferencia? Absolutamente nada. E o que eles têm em comum? A certeza de que não podem contar com o poder público para garantir seus direitos.
Ora! Aos cidadãos, sejam os do Goiabeiras, sejam os do CPA, só uma coisa interessa: que a prefeitura municipal respeite seus direitos e cumpra com seu dever, sem distinção.
Quanto ao meu amigo Mario?, bem, o problema dele na verdade, não é filosófico nem ideológico, é patológico.
E já vou avisando aos engraçadinhos que vierem me perguntar: quem é Mário? Vou responder: É aquele que te pegou atrás do armário.