A prisão da adolescente, estuprada seguidamente nas prisões do Pará não é nenhuma novidade – trata-se apenas de uma manchete fácil pelo aspecto pitoresco dos fatos e o eventual uso político da informação. A imprensa não se interessa na análise detida das barbaridades que ocorrem nos presídios brasileiros, até porque a sociedade quer esquecer esse contingente de desgraçados. A segregação brasileira não recupera, apenas degrada e, assim, quem quer ter contato com a parcela degradada da comunidade? Melhor, portanto, não ter conhecimento das irracionalidades quotidianas das masmorras.
Nem é o caso de traçar uma crítica aos governos pelo descaso sistemático com a situação educacional, carcerária e da segurança pública – contextos interdependentes – porque não há razão de cobrar do governo estadual e federal que não têm qualquer noção da importância fundamental da educação. Ademais, a enxurrada de números por encomenda desnorteia a reflexão sobre a simples realidade – falência da estrutura educacional e prisional.
É que a sociedade não vê que os detentos não têm privacidade nem mesmo quando em suas intimidades diárias. A sociedade não vê as violências diárias cometidas na cadeia. A sociedade não vê os presos definhando de doença e fome, depressão e abandono. A sociedade não vê que um dia de prisão é um ano furtado da vida do detido e de sua família que se humilha em cada visita. A sociedade não vê a revista íntima nas genitálias das mulheres que formam um cortejo tenebroso. A sociedade não vê que alimentos são revirados, assim como as celas, onde os presos enfrentam a superlotação intolerável. A sociedade não vê, não quer ver e não quer ser incomodada.
Evidentemente que, enquanto tivermos como mandatários semi-analfabetos que arrotam o desprezo à educação esbanjando seu sucesso financeiro, exibindo os diplomas eleitorais como substitutivos aos das universidades, falar em recuperação social de um aprisionado por meio da liberdade da cultura, é grego puro. Aliás, já nessa altura do artigo, o semi-analfabeto não tem mais paciência, vocabulário e ânimo para findá-lo.
E quantos presos são portadores de vírus letais e não são apartados dos demais? E quantos sofrem atentados violentos ao pudor todos os dias? E quantas mortes e fugas? E quantos são inseridos no mercado de trabalho, por meio de programas institucionais? E qual a assistência familiar que esse indivíduo conta? E quando chove e quando não chove? E quando falta água, falta luz, falta gente?
Não por outra razão é que nos batemos com alguma contundência, demonstrando haver milhares de presos que não merecem serem engolidos nesse sistema canibal. Um furto, uma receptação, um estelionato, um porte de droga, enfim, crimes não tão potentes e plenamente passíveis de comportamentos alternativos de recuperação social, sem a tortura obrigatória que é a cadeira brasileira. Eis aí, nos estupros, nas mortes, nas depressões, na reincidência, no abandono, na humilhação, a pena complementar que os magistrados decretam em conjunto com os decretos prisionais.
É a lei? Não, não é a lei. Desculpem os autômatos das decisões, mas é a interpretação da lei, pura e simplesmente. É essa interpretação distorcida e desumana que faz com que o excesso de prazo seja contemporizado pelos magistrados, que os troféus de condenação sejam o orgulho da acusação, que a sociedade faça coro com a eugenia fascista que grassa no imaginário autoritário latino. Não é a lei: a lei oferece alternativa, a lei manda não juntar presos provisórios e definitivos, a lei determina o tratamento digno, a recuperação, o estudo, o trabalho, a reintegração social, enfim, a lei é muito diferente da interpretação dos homens da lei. Não é a lei quem matou a menina do Pará, não foi a lei quem a colocou naquelas celas imundas. E não é a lei que promove fugas, aliciamentos, celulares na penitenciária, tratamentos diferenciados. É o sistema, meus leitores. É o sistema que corrompe, que inabilita, que impede a vanguarda, que castra os juizes libertários, que descredencia a tentativa de minorar os efeitos do próprio sistema.
Você que não quer escutar, não quer ver e prefere a simplicidade de condenar à morte pelo abandono essa gente miserável (que não é da sua família, claro) ou estimular a política da vingança ou a demagogia autoritária – prepare o bolso. Além dos impostos, pacífico assalto, algum dia a realidade encontrará você. E será incômodo o encontro.
Evidentemente que, enquanto tivermos como mandatários semi-analfabetos que arrotam o desprezo à educação esbanjando seu sucesso financeiro, exibindo os diplomas eleitorais como substitutivos aos das universidades, falar em recuperação social de um aprisionado por meio da liberdade da cultura, é grego puro. Aliás, já nessa altura do artigo, o semi-analfabeto não tem mais paciência, vocabulário e ânimo para findá-lo.
E quantos presos são portadores de vírus letais e não são apartados dos demais? E quantos sofrem atentados violentos ao pudor todos os dias? E quantas mortes e fugas? E quantos são inseridos no mercado de trabalho, por meio de programas institucionais? E qual a assistência familiar que esse indivíduo conta? E quando chove e quando não chove? E quando falta água, falta luz, falta gente?
Não por outra razão é que nos batemos com alguma contundência, demonstrando haver milhares de presos que não merecem serem engolidos nesse sistema canibal. Um furto, uma receptação, um estelionato, um porte de droga, enfim, crimes não tão potentes e plenamente passíveis de comportamentos alternativos de recuperação social, sem a tortura obrigatória que é a cadeira brasileira. Eis aí, nos estupros, nas mortes, nas depressões, na reincidência, no abandono, na humilhação, a pena complementar que os magistrados decretam em conjunto com os decretos prisionais.
É a lei? Não, não é a lei. Desculpem os autômatos das decisões, mas é a interpretação da lei, pura e simplesmente. É essa interpretação distorcida e desumana que faz com que o excesso de prazo seja contemporizado pelos magistrados, que os troféus de condenação sejam o orgulho da acusação, que a sociedade faça coro com a eugenia fascista que grassa no imaginário autoritário latino. Não é a lei: a lei oferece alternativa, a lei manda não juntar presos provisórios e definitivos, a lei determina o tratamento digno, a recuperação, o estudo, o trabalho, a reintegração social, enfim, a lei é muito diferente da interpretação dos homens da lei. Não é a lei quem matou a menina do Pará, não foi a lei quem a colocou naquelas celas imundas. E não é a lei que promove fugas, aliciamentos, celulares na penitenciária, tratamentos diferenciados. É o sistema, meus leitores. É o sistema que corrompe, que inabilita, que impede a vanguarda, que castra os juizes libertários, que descredencia a tentativa de minorar os efeitos do próprio sistema.
Você que não quer escutar, não quer ver e prefere a simplicidade de condenar à morte pelo abandono essa gente miserável (que não é da sua família, claro) ou estimular a política da vingança ou a demagogia autoritária – prepare o bolso. Além dos impostos, pacífico assalto, algum dia a realidade encontrará você. E será incômodo o encontro.
3 comentários:
Alô, Adriana.
A matéria do Mahon é irreparável. Concisa e assimilável. O único reparo que faria seria no título: O que a sociedade não QUER ver!
Para o Sr. Mahon, o estupro de uma menor de idade presa em uma cela com mais 20 homens em uma delegacia do Pará é "apenas um aspecto pitoresco". Para mim é um crime abominável praticado pelas autoridades policiais e judiciárias locais. Deveriam, no mínimo, ser processadas por não cumprirem as obrigações previstas em lei, e para as quais são pagas pela sociedade. Ainda bem que o Sr. Mahon é um advogado. Imaginem se fosse bandido. Provavelmente acharia que tudo não passou do exercício de um direito dos presos, que precisam de um pouco de relaxamento diário para compensar a dura vida de um sentenciado...
Alô, Adriana.
Não deu para deixar de comentar novamente. Sutileza não é para todos.
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