5 de nov. de 2007

Revisitando a decisão de Hiroshima

Por Ralph J. Hofmann

A semana passada faleceu Paul Tibbets o piloto que conduziu a bomba atômica para Hiroshima. Novamente se discutiram os prós e contras da decisão de usar esta arma para pôr fim à segunda guerra.
Em 2005 escrevi um artigo sobre essa decisão (veja em leia mais). Pode parecer terrível para nós hoje, à luz de seis décadas de convivência com a bomba.
Mas pense no que significou essa decisão para milhares de combatentes em campo, aliados e japoneses com a perspectiva de conquistar palmo a palmo as ilhas japonesas. Não terá custado menos vidas usar a bomba. A única pergunta importante é se o ataque a Nagasaki era necessário. Hiroshima fazia sentido à luz das perspectivas.

A DECISÃO SOBRE HIROSHIMA
Ralph J. Hofmann – 05/08/05

Provavelmente hoje não irão achar muitas pessoas que digam o que vou dizer aqui.
Como filho de participantes da guerra fui criado com uma maior consciência do que foi o papel de cada participante da Segunda Guerra Mundial, nem da extensão dela.
Quando ouço lágrimas de crocodilo sobre Dresden, Munique e Hiroshima e Nagasaki eu cito alguns fatores.
Essa Guerra não começou em 1939. Iniciou nos primeiros anos na China. Os Japoneses conquistaram a Manchúria e a partir de suas terras conquistadas em Port Arthur na Guerra Russo Japonesa em 1900 passaram à conquista da Mongólia. Da Mongólia partiram para a conquista do resto da China.
Lá por 1936 quando os voluntários da Luftwaffe, a Legião Condor destruíam Guernica para ver se funcionava os Japoneses estavam bombardeando Shanghai ( a parte não internacional). Aproveitavam os campos de batalha para dessensibilizar seus jovens levando-os para tocar em cadáveres nos muitos locais de massacre dentro da China.
De 1930 em diante correram soltos matando pela China, usando chineses para experiências de guerra química e bacteriana.
Os alemães, além de Guernica patrocinaram o bombardeio metódico de uma Rotterdam já derrotada, talvez por curiosidade científica (uma das alegações quanto `bomba de Nagasaki, seriam os arquitetos da Bomba curiosos para ver como funcionavam os dois tipos de bomba).
Em 1942 os Japoneses não só atacaram Pearl Harbor, como invadiram a maioria das colônias européias da Ásia. Onde encontravam chineses cometiam atrocidades gratuitas. Num de seus livros Russel Bradden, que foi combatente aprisionado em Changi na Malásia conta como a coluna de prisioneiros da que ele fazia parte encontrou um chinês, espancou-o e botou fogo nele. Comportamento perfeitamente aceito nas tropas japonesas. Nem os alemães oram tão gratuitamente e massificadamente cruéis. Os alemães tinham tropas cruéis (as SS) mas programadas para serem assim.
Em Singapura raras mulheres européias foram poupadas de serem estupradas pelos Japoneses.
Tanto em Singapura, na prisão de Changi, quanto na construção da Ferrovia Burmesa, como em Cabanatuan nas Filipinas o índice de sobrevivência dos prisioneiros aliados foi inferior a 30%. Homens de 1,80m com 75 kg. quando presos saíram com 40 kg. Os japoneses mataram pessoas por excesso de trabalhos forçados, béri-béri (numa região onde há frutas e pimenta com altas doses de vitamina, sendo a avitaminose a causa de beribéri).
Em Okinawa e nas Marianas os Japoneses se suicidavam para não se renderem. Eram as primeiras ilhas incorporadas ao Japão no começo do século. Inclusive os militares faziam os civis se suicidarem para não se entregarem nas Marianas.
Quando a Guerra terminou sabia-se que se o Imperador não ordenasse a rendição, e ele estava até aquele momento sob controle dos militaristas, os japoneses seguiriam lutando até o último homem. Em Okinawa os americanos já haviam tido 250.000 baixas (não mortes, baixas).
As minhas leituras ao longo dos anos mostram as coisas do ponto de vista dos combatentes. Para eles os japoneses em todos os sentidos eram desumanos. Pela maneira de combater, pela crueldade contada pelos ex-prisioneiros, pelo fato de não se renderem quando o fim era inevitável.
Então nada mais lógico do que usar a melhor e maior arma possível contra eles. Eu lembro que no início dos anos sessenta ainda parecia normal o fato de usar essa bomba. A revolta contra a bomba é um produto de uma geração em que poucos tiveram de se alistar pelas suas pátrias. Olhando para trás é fácil dizer que foi terrível, mas se você ou estivesse na Europa esperando ser mandado para a Índia, Birmânia, Malásia ou para atacar as ilhas Japonesas (em nenhum lugar os japoneses haviam se rendido) qualquer coisa que evitasse entrar em mais uma zona de combate após combater das praias da Normandia até Berlim, valia a pena.
Mas há ainda um detalhe. O Arnaldo Jabor alegou esta noite que os Japoneses estavam prontos para se render, mas que os americanos queriam mostrar a arma que tinham aos Russos.
Nada mais incorreto. Graças aos seus espiões os russos sabiam dessas armas. E os russos tinham sido procurados por certos nobres dissidentes japoneses para acertar a possibilidade de uma rendição. Mas os russos ficaram quietos, não passaram as tratativas aos americanos, para, nos dias após Hiroshima declararem guerra ao Japão e ocupar as ilhas Kurilas quando os Japoneses ainda estavam sob o impacto da Bomba. Creio que isto é contado num livro sobre o melhor grupo de espionagem russa nessa guerra, a Orquestra Vermelha.

2 comentários:

ma gu disse...

Alô, Ralph.

Só para complementar seu post, pouco antes das explosões atômicas, os japoneses já estavam deslocando a população japonesa para as costas das ilhas, com o fito de formar uma muralha humana para tentar impedir que os navios americanos bombardeassem o litoral, como preparativo da invasão.
Jabor procura manter os holofotes sobre ele, pois é fácil, hoje, ser contra o uso das bombas. O fato é que os militares japoneses não iriam se render. Eram adeptos do bushidô (código de honra) que previa o sepukku (suicídio de honra). Eu não sei que honra é essa, que não respeitava a vida dos outros. O episódio narrado no filme recente de Clint Eastwood, sobre Iwojima foi montado a partir de cartas dos soldados japoneses que lá estavam. Não é apenas um filme.
Veja http://www.dcomercio.com.
br/especiais/iwojima/

Nesse sentido, os militares japoneses consideravam o povo apenas como bucha de canhão.

Mais informações, veja http://www.jishin.lemacsi.com.br/
samurais.html

Desculpe-me se me estendi.

Ralph J. Hofmann disse...

Não vi o filme de Eastwood, mas li muitos relatos sobre os suicídios em massa das crianças em Saipan nas Marianas, que eram as únicas ilhas que os japoneses haviam conquistado anos antes e para as quais haviam deslocado colonos.
Muito poucos civis sobreviveram, e estes geralmente criuanças que se esconderam dos pais e dos soldados.
É o que falou Doris Lessing. O Al Kaeda matou 3,000 em minutos. O IRA nos mateve em suspense durante 30 anos e talvez tenha matado 3.000 pessoas.