27 de nov. de 2007

A Sangue Frio

Por Laurence Bittencourt Leite

Truman Capote (foto) foi o diabo de inteligente. Estava em São Paulo quando conheci pela primeira vez sua prosa e me deliciei com os seus textos. É ele, o autor de uma das maiores obras (um clássico) da literatura americana moderna, chamado “In cold Blood”, traduzido como “A sangue frio”, onde conta a história verídica, do brutal assassinato da família Clutter (marido, mulher, e um casal de filhos adolescentes) por dois marginais e assassinos, Perry Smith e Richard (Dick) Hickcok, na pequena e “pacata” cidade de Holcomb, em Kansas, e que depois de presos, foram condenados à morte e executados por enforcamento.
Com esse livro, Capote que já havia escrito obras menores, dava inicio, ou, como dizem alguns dos seus detratores, manteve uma tradição, ao que hoje é considerado como “jornalismo literário”, Livro-reportagem ou ainda “novo jornalismo” ou jornalismo de não ficção.
A história de “A sangue frio” depois de publicada vendeu feito água em tempo de seca, fazendo a fama de Capote. Mas foi sua façanha pessoal, inimaginável segundo seus amigos pessoais, para um baixinho, homossexual afetado, que adorava circular no jet set novaiorquino e que se dizia rigorosamente urbano, ao se embrenhar para a pequena e empoeirada Holcomb, para cobrir um frio assassinato. Pois foi exatamente o Capote fez.
A história foi publicada inicialmente sob forma de capítulos na revista The New Yorker, em quatro sessões que bateram recordes de tiragem. O assassinato ocorrera numa fria noite de 15 de novembro de 1959, mas os capítulos só veio a público em 1965, e o livro só foi publicado em 1966. Outro dado incrível na façanha de Capote, é que até este livro, e embora já escrevesse em jornais, ele nunca tinha feito uma reportagem. A questão é que como estava devendo aos editores da revista por promessas de publicação não cumpridas, resolveu dar uma de repórter e escrever uma grande reportagem quando leu sobre o sinistro assassinato.
Foram horas e horas gastas de investigação, ouvindo e conversando com os assassinos (há versões puramente malévolas de que ele se tornou amante do mais falante e “intelectualizado” dos dois assassinos, Perry Smith), entrevistando amigos das vitimas, delegado, enfim, familiares. O livro começa retratando o cenário, a cidade, para depois descorrer sobre os personagens, e ai sim, falar dos assassinatos, os motivos, culminando com os enforcamentos.
Medindo as proporções alguém pode dizer que o nosso Euclides da Cunha já tinha feito o mesmo ao cobrir a insurreição de Canudos. Mas há diferenças. Em especial no estilo. Embora haja semelhanças: os dois levaram cinco anos para publicar em livro, e começaram fazendo a publicação primeiro em revista (Capote) e jornal (Euclides). No entanto, o livro de Capote tranformou-se imediatamente em um best seller, enquanto que “Os sertões” poucos, pouquíssimos leram. É o Brasil.
A sangue frio foi transformado em filme, dirigido por Richard Brooks. Capote acompanhou as filmagens e escreveu depois um artigo intitulado “Fantasmas ao sol: as filmagens de A sangue frio”, onde revela que vendo as cenas in loco, sentiu como se os personagens reais tivessem reencarnado nas figuras dos atores. Já o filme em DVD.
Agora um dos pontos fortes do livro de Capote são as discrições emocionais dos assassinos, em especial Smith, que Truman termina humanizando, mostrando Perry como um garoto sensível, com “alma” de poeta (ele escrevia poesias de fato e tocava violão), que havia sofrido o diabo quando criança, tendo sido colocado em um reformatório onde fora humilhado e insultado por colegas e que sofria castigos físicos das freiras por urinar nos lençóis. O próprio Capote chegou a dizer que se identificava com Smith.
O fascínio de Capote pela história e pelos dois personagens foi tamanha que ele literalmente após a publicação perdeu a inspiração, sem conseguir mais publicar nada, vivendo do passado. Morreu em 1984 tomado de profunda depressão, sucumbido pelo álcool e drogas pesadas. Recentemente a L&PM lançou “Os cães ladram”, um conjunto de textos, artigos seus, sobre cidades e retratos de pessoas que ele conhecera de perto. É imperdível. Sua descrição de Humphrey Bogart, Louis Armstrong e Ezra Pound entre outros, são qualquer coisa. Mas foi sem dúvida com “In cold Blood” que ele se imortalizou e deu vida a um novo tipo de romance ou jornalismo.

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