16 de fev. de 2008

A moral foi pro lixo

A falta que Voltaire faz
por Carlos Chagas (clique aqui)

Mal completados vinte anos, chegou a Paris François Marie Arouet, que ainda não se assinava Voltaire. Logo escandalizava a capital francesa com acres comentários a respeito dos costumes e da política. Naqueles idos, a França era governada por um regente, tendo em vista a morte de Luís XIV e o fato de que Luís XV, seu bisneto, era ainda uma criança.

Cioso das dificuldades que envolviam o tesouro real, o regente determinou que fosse posta em leilão metade das cavalariças a seu serviço, quase mil cavalos. O irreverente jovem escreveu que melhor faria o governante se tivesse dispensado não a metade, mas a totalidade dos jumentos que povoavam a corte.

Pouco depois, passeando no Bois de Boulogne, o regente defrontou-se com o detrator e foi sutil: "Monsieur Arouet, vou proporcionar-lhe uma visão de Paris que o senhor jamais imaginou pudesse existir." E despachou Voltaire para uma cela na Bastilha, onde ele ficou por nove meses.

Depois, arrependido, o regente mandou soltá-lo e, como compensação, deu-lhe uma pensão vitalícia. Por carta, o jovem agradeceu porque sua alimentação estaria garantida até o fim da vida, mas disse ao regente que não mais se preocupasse com sua hospedagem, que ele mesmo proveria. Perdeu a pensão e teve de exilar-se na Inglaterra, para não voltar à Bastilha.

Conta-se essa história não apenas em homenagem ao extraordinário Voltaire, que viveu até quase os noventa anos polemizando e batendo de frente com o poder e os poderosos, mas porque, na política brasileira, através da História, sempre encontramos seus discípulos. Falamos daqueles que não se curvam nem perdem oportunidade para opor-se aos detentores do poder, mesmo à custa da própria tranqüilidade e bem-estar.

Seria perigoso começar a citá-los, sob o risco de graves esquecimentos, mas do padre Antônio Vieira a Evaristo da Veiga, nos primórdios da nação, até o Barão de Itararé, Carlos Mariguela, Luís Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Agildo Barata, João Amazonas e mesmo Carlos Lacerda e Leonel Brizola, nos tempos modernos, algum erudito poderia dedicar-se à sua exegese. Seria excepcional contribuição apontar quantos se insurgiram contra a prepotência, cada um à sua maneira, tanto faz se pelo humor, pela agressividade, a veemência e até a violência.

Todo esse preâmbulo se faz para uma conclusão: no Brasil de hoje desapareceram quase por completo os Voltaires caboclos. Usando uma lupa, pode-se citar os irmãos Millor e Helio Fernandes. Porque instalou-se no País uma pasmaceira, de alguns anos para cá, a ponto de transformar até mesmo os líderes do PT em dóceis beneficiários de pensões concedidas pelo regente.

Não se encontra quem se insurja, ainda que através do humor, contra a verdade absoluta da globalização e do neoliberalismo que assolam o País e o planeta, transformando o cidadão comum em mero apêndice dos ditames das elites. Substituíram a liberdade pela competição. O trabalho pela prevalência do capital. O livre arbítrio pela acomodação. A independência pela submissão.

Convenhamos, tanto faz se o regente tenha vindo da realeza ou dos porões. Desde que ele se acomode e dite as regras dessa nova escravidão, todos o reverenciam. Uns por interesse, outros por falta de coragem. Voltaire faz falta, como inspiração.

7 comentários:

Anônimo disse...

Caro Giulio, ontem estava assistindo aos debates da TV Senado e um senador do PMDB, não me lembro se foi Pedro Simon ou Mão Santa, disse que recebeu um recado do ex-Presidente Itamar Frando, relatando que, quando foi Presidente, ele tinha uma filha que nunca teve segurança, que seus ternos foram os mesmos de quando começou e terminou o mandato e que os seus bens continuaram exatamente os mesmos. Vou acrescentar um comentário meu: seu único erro foi ir ao sambódromo naquele Carnaval com a acompanhante sem calcinha. Mas acho que é melhor do que ter uma esposa cheia de botox pago com nossa grana.

Anônimo disse...

Rô,respeito seu ponto,e defenderei até últimas conseqüências, doa em quem doer;mas sou contra!
Diga-me minha santa, quem neste mundo de Deus não vai gostar de ir ao carnaval com uma mulher sem calcinha?
É melhor ir com uma assim que ir de fusca sacolejar o topete sozinho.

Anônimo disse...

Gosto muito de ler Voltaire, li esse artigo do Carlos Chagas e fico feliz de ver o francês ser citado aqui.
Caso possa interessar a qualquer pessoa,é possível baixar de graça toda a obra de Voltaire no site "Domínio Público".
O "Cândido", é imperdível!

Anônimo disse...

O Marreta sabe das coisas: o "Cândido" é realmente imperdível. Quanto ao artigo da Carlos Chagas, é muito bom. Apenas com um reparo: nenhum dos citados por ele chega aos pés de um Voltaire. Esse era filósofo inteligente, com dicernimento, humor fino, ironia elegante, postura de gentelman e escrevia com uma classe de fazer inveja a qualquer um.

Anônimo disse...

Eraldo,obrigado e muito prazer, sou fã de Voltaire desde priscas eras;pouca coisa nesse mundo me impressiona como ler o francês, talvez o Diógenes no "Dialogo dos Mortos" do Luciano faça eco.
Mesmo depois de morto ele incomodava veja esta passagem:
Em 1814, os ultraconservadores pediam para que se retirassem da cripta da igreja de Santa Genoveva, em Paris, os restos mortais de Voltaire. O Rei Luís XVIII acalmou-os com o seguinte argumento:” Deixem-no lá.Ele é bastante castigado por ter que assistir à missa todos os dias"(Leon Haris)"
E do jornalista:
Em 30 de maio de 1778 Voltaire morreu, e alguns de seus dentes foram distribuídos; um deles virou amuleto de um jornalista Lemaître, que justificou a posse com uma frase “Os padres causaram tanto mal a terra, que eu guardei um dente contra eles”.
fui longe deixa para depois...

ma gu disse...

Alô, Giulio.

Ei, pessoal. Faltou uma coisa aqui. Na pequena enumeração citada por Carlos Chagas, no parágrafo sexto, faltou um nome, da atualidade, que não pode deixar de ser incluído: Giulio Sanmartini. Pode ser que Carlos Chagas não o conheça mas, eu, que o leio sempre, não posso deixar de incluí-lo.

Anônimo disse...

é bom lembrar tambem que voltaire foi ,na idade madura, uma das dez maiores fortunas de frança ,tocava então o excelente negócio (para a época) de tráfico de escravos...

humberto sisley