20 de fev. de 2008

O mago do pincel atômico

Por Ralph J. Hofmann

Certa vez construí uma casa para a minha família. Não sendo artista inicialmente desenhei em projeção os espaços e quartos que desejava nos dois pavimentos e depois as coloquei certas características, como tijolos rústicos à vista, lareira e demais detalhes. Após isto chamei um arquiteto meu amigo para desenvolver o assunto.
Marcamos uma reunião e logo ficou claro que fora uma má idéia. O meu amigo me queria impor o estilo de construção e distribuição de peças que estava usando naquele momento. Sequer queria fazer a casa em tijolo à vista.
Após algumas horas de conversa inútil disse ao arquiteto que iría pensar, debrucei-me novamente sobre meus esboços, fiz um esforço para desenhar as fachadas como as imaginava e levei o assunto para um engenheiro civil, com sensibilidade estética que conhecia. Este fez sugestões em cima dos meus desejos, melhorou as coisas e me construiu minha casa de sonhos.
Posteriormente comentando o assunto com um outro arquiteto amigo, sobrinho do Rino Levi, este me apoiou. Disse que o arquiteto não deve ser impositivo. Deve orientar as coisas aperfeiçoando os desejos e captando as intenções do cliente, zelando para que na prática a casa não tenha os defeitos da inexperiência do mesmo e sugerindo melhorias estéticas dentro deste arcabouço.
O primeiro arquiteto, ainda amigo apesar do desentendimento, posteriormente convidado a jantar na minha casa quando esta ficou pronta, com quadros e decoração na parede, voluntariamente me declarou ter estado errado. Aquela casa refletia a mim, as experiências com casas do meu pai e meu estilo de ser.
Ou seja, admitiu que se eu tivesse aceito suas sugestões, quase imposições, teria meramente feito uma casa na moda da época. Não a minha casa.
E quem são os usuários no caso de prédios públicos? Parecem ser os que neles trabalham, o conceito de finalidade das coisas que neles são acomodadas.
O que se deseja de um prédio público? Que seja facilmente usado para o seu fim.
Normalmente um arquiteto, por mais talentoso que seja, se não acomodar estes pré-requisitos não deverá conseguir obras. Há um que outro arquiteto ou decorador que tem um tipo de clientela que aceitará qualquer coisa desde que sinta estar sendo “moderno ou” artístico “. Mas tenho certeza que ao sentar-se naquelas poltronas de forma geométrica e fria estará no íntimo pensando em como seria bom ter aquela poltrona velha, antiquada, disforme da casa imensamente confortável de sua mãe ou avó.
E aí chegamos ao “mago do pincel atômico”. Sempre que vejo uma entrevista com o Niemeyer em algum momento ele saca de sua “Pilot” preta e desenha umas formas num papel. Cenas que o mostrem em atividade diuturna só ampliam essa imagem. Em pé, diante de um “flip chart” ele desenha formas. Os técnicos depois que se virem para torná-las realidade. São obras que se chocam conceitos de prédios “verdes” pois sua sabedoria não se estende a conceitos modernos de prédios inteligentes. Afinal seus clientes são estados e o governo federal, podem pagar pela energia que para ser produzida exige a queima de combustíveis.
A finalidade do prédio precisa se submeter ao conceito estético do mago. Longe dele levar em conta a experiência mundial na construção de museus, escolas, pinacotecas ou bibliotecas. Ele é único, monolítico. Um concentrador de mercado.
Suas obras não podem ser tocadas. Nem mesmo uma cidade inteira de prédios públicos conceitualmente revolucionários à época, hoje ultrapassados mas que não podem ser mexidos sem sua permissão.Niemeyer realmente é um comunista que conseguiu criar a arquitetura oficial do país. Exatamente como os pintores, escritores e músicos da finada União Soviética precisavam se curvar aos conceitos oficiais de arte.
Juscelino Kubitschek cometeu o mais grave dos erros em Brasília. Ignorou a probabilidade de haver outros arquitetos merecedores de crédito no país, a quem poderia ter confiado diferentes prédios do complexo de governo e criou um monstro, que de lá para cá está a salvo das intempéries. No Brasil nem mesmo se fazem licitações para obras monumentais, em que um arquiteto tenha de justificar suas opções e funcionalidade no memorial da obra.
Niemeyer é um ditador e nem mesmo é um ditador benigno. Pode ter sido especial em 1959, mas, com sua insistência em ocupar o centro do palco, atrasou a arquitetura brasileira e a reputação de novos arquitetos brasileiros em 50 anos.

Um comentário:

ma gu disse...

Alô, Ralph.

Alô, Ralph.

Muito bom. Seu post poderia perfeitamente ser aproveitado para o epitáfio extra-oficial da figura.