Metamorfose giratória
Por Rubens Ricupero
Além de ambulante, é giratória a metamorfose que nos governa. Não será desrespeitoso evocar imagem com a qual o próprio presidente se definiu. Ao criar a expressão, Raul Seixas quis dizer que mudava de posição de vez em quando, de forma sucessiva. Ambulante não serve, contudo, para descrever aquele que tem várias posições conflitantes ao mesmo tempo. Quem atira para todos os lados só pode ser giratório. Ou giróvago, como se dizia outrora.
Haverá exagero em afirmar isso de alguém que convoca reunião ministerial de urgência e anuncia medidas de estardalhaço contra o desmatamento apenas para declarar, dias depois, que tudo não passava de alarde, talvez até de sinistra conspiração estrangeira?!
Como nenhum fato novo ocorreu nesses contados dias, de duas, uma: ou o presidente estava errado então ou erra de modo crasso agora. Com delicioso senso de oportunidade, escolheu para proferir essas espantosas declarações o momento exato em que a ministra do Meio Ambiente se encontrava na região calcinada.
Na mesma hora em que ela advertia os celerados de que a sociedade brasileira não tolera mais a destruição da Amazônia, seu chefe resolvia comprar briga com as ONGs internacionais. É maneira manhosa de insinuar que se opor à devastação é coisa de estrangeiro.
Por falar nisso, alguém deveria informar ao presidente que são as florestas boreais e temperadas as que compensam, até certo ponto, o dano causado pelas emissões de carbono oriundas das queimadas tropicais. O país que mais expande as florestas é hoje os EUA. Portanto, da próxima vez, ele deve mandar as ONGs plantar batatas ou bananas, pois árvores elas já estão plantando.
O trágico nessa tragicomédia é que se tira assim o tapete debaixo dos pés da ministra. Quem levará a sério as ameaças de cortar o crédito, pôr na lista negra os municípios criminosos, enviar o Exército ou a Polícia Federal quando o próprio chefe de Estado faz pouco do problema?
Esse é o nó da questão. Ao girar como cata-vento ao sabor das emoções ou da influência do último interlocutor, o presidente desautoriza e enfraquece a sua ministra. Como só ele pode definir orientação unificada entre posições contrastantes, ao agir de modo contraditório indica que a preocupação com a Amazônia ou o ambiente não é política nacional de governo, apenas de uma pasta ou de ativistas pitorescos.
Embora pareça dura, a interpretação do giroscópio é ainda a mais generosa das duas possíveis. A outra, que suspeito verdadeira, é que ele não mudou de opinião coisa nenhuma. Seu coração nunca esteve com a ministra. Bate em uníssono com o do devastador-mor, o governador de Mato Grosso. Não está longe dos trogloditas fardados ou não que declaravam: "É a pata do boi que vai conquistar a Amazônia". Só não o proclama com a mesma contundência porque o fundo demagógico lhe aconselha a não alienar por completo o respeito dos que reverenciam a vida e a natureza.
O mau exemplo vem de cima. Por isso é que nos encontramos neste lastimoso estado. No próximo dia 6, se o Carnaval deixar, comemora-se o quarto centenário do nascimento do padre Antonio Vieira. Como para tudo o mais, cabe aqui também uma citação do jesuíta: "Dizem que os que governam são espelho da República: não é assim, senão ao contrário. A República é o espelho dos que a governam".
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