17 de fev. de 2008

Presidente tenta blindar-se

Certamente não há brasileiro com mais de 40 anos que não tenha ouvido falar em Lei de Segurança Nacional. Era a sustentação jurídica usada pela ditadura militar para silenciar seus críticos e manter o País sob um regime de exceção. Na última semana, a “segurança nacional” voltou a ser invocada, desta vez por um político que chegou a ser vítima do arbítrio: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sob esse argumento, a Presidência da República iniciou uma operação de blindagem, que visa manter inacessíveis os gastos feitos com o dinheiro público para cobrir despesas do presidente, da primeira-dama e de seus filhos. O primeiro passo para a blindagem foi a retirada do Portal da Transparência – um site onde o governo relacionava seus gastos – de todos os pagamentos realizados pelos ecônomos responsáveis pelas despesas pessoais da família de Lula. Há três anos, havia 37 ecônomos registrados no Portal da Transparência como responsáveis pelos gastos da Secretaria de Administração da Presidência, unidade que engloba os gastos da família Lula da Silva. Na quinta-feira 14, os ecônomos registrados na Secretaria de Administração da Presidência eram apenas cinco. Somente 4,8% das despesas presidenciais estavam disponíveis para consulta pública.
A decisão de omitir o destino dado a boa parte dos impostos pagos pela sociedade veio depois da revelação feita por ISTOÉ de que cartões corporativos do governo foram usados para sacar em dinheiro vivo R$ 5,8 milhões apenas para as despesas de Lula, dona Marisa e suas equipes. Mas o que o presidente procura esconder é mais do que isso. Na verdade, pelo que se sabe até agora, muitos dos gastos realizados com os cartões corporativos seguem os mesmos padrões de má utilização dos recursos por servidores do governo demonstrados em vários exemplos a que ISTOÉ teve acesso, na semana passada, a partir de dados catalogados pelo Siaf (Sistema Integrado de Administração Financeira).
Em 9 de julho de 2007, a Secretaria de Administração da Presidência da República pagou R$ 6.840 à Oficina Zen Massagem Expressa Ltda., para a contratação de serviços de massagem e reflexologia. Entre julho e dezembro do ano passado, a Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos do Exército gastou R$ 2,7 mil na Chocolates Kemper’s Haus, em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. Em dezembro de 2005, o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais consumiu R$ 6,2 mil na Cervejaria Divinópolis Ltda. Um ano antes, o Centro de Instrução Almirante Alexandrino, da Marinha, pagou R$ 6,1 mil à Perfumaria Diamantino, no Rio de Janeiro. O Centro de Instrução Almirante Alexandrino justificou o gasto dizendo que mantém no Estado uma escola de “taifeiros barbeiros”, por isso a necessidade da compra de loções e cremes.
Em julho de 2005, a Finep, do Ministério de Ciência e Tecnologia, gastou R$ 6,6 mil na Trinidad Tabacaria, também no Rio de Janeiro. Em dezembro último, um servidor da gerência regional do Ministério da Fazenda em Minas Gerais entrou na Pastelaria Marília de Dirceu e gastou R$ 1,3 mil na rubrica “prevenção à corrupção e transparência das ações do governo”. “Não cabe à ISTOÉ investigar esse tipo de coisa”, reagiu o chefe do setor financeiro do Ministério da Fazenda em Minas, Alexandre Camilo. “Só entrego as informações se o Ministério Público requisitar”, completou. Em dezembro de 2004, a Superintendência da Polícia Federal em São Paulo pagou R$ 600 à clínica de estética By Kimberly, que, em sua página na internet, se apresenta como especializada em “levantar bumbum e seios”. Na ação de governo que justifica o gasto está escrito: “0,9 kg. – Aguardando Descrição no Siaf”. A dona da clínica, Valdeleide Nascimento, chorou ao ser procurada por ISTOÉ. “Nunca realizei qualquer tratamento que necessite de aplicação de substâncias como botox ou silicone”, diz Valdeleide. Ela não explica, porém, 0,9 kg de que a Polícia Federal comprou na sua clínica. No mesmo mês, em plena sexta-feira, o Grupamento de Fuzileiros Navais gastou R$ 120 no estabelecimento Sorvetes Tetéia, no Pólo Moda de Brasília, famoso por concentrar o maior número de costureiras da capital federal.
Além de tirar as informações da internet, uma outra frente comandada pelo Planalto para blindar as despesas da família Lula da Silva atua no Congresso. O objetivo é restringir o campo de investigações da futura CPI dos Cartões Corporativos. Na quinta-feira 14, pela segunda semana consecutiva, o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), alegou problemas formais e devolveu o requerimento de instalação da CPI. Primeiro, por uma rasura feita pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR). Depois, por um problema formal na folha de assinaturas da oposição. As assinaturas terão de ser recolhidas novamente esta semana. Resolvidos os entraves de Garibaldi, o Congresso entrará numa discussão, na qual o governo terá maioria, sobre a amplitude da investigação. “O governo quer criar a CPI do Mané”, critica o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). “Só se investiga o gasto do Mané, que passa longe do poder central.”

Um comentário:

ma gu disse...

Alô, Giulio.

As duas siglas que vi são ótimas para usarmos como referência à CPI dos cartões. A Rô-litoral se referiu a CPIZZA. Gostei, mas pizza no Congresso já ficou fora de moda. Aquela pizzaria um dia vai falir. Já a CPIM (CPI do Mané) é uma inovação.
Vou ficar com esta, porque lembra capim (alimentação do mané).