15 de mar. de 2008

Dinastias

Por Ralph J. Hofmann

Com a Hillary Clinton procurando voltar a ser locatária da Casa Branca por outros oito anos alguma consideração precisa ser dada a dinastias no executivo.
A zebra nos Estados Unidos não foi a eleição, discutível do Bush Jr. A zebra foi Bush pai ter apoiado seu filho preguiçoso, peso leve intelectual, cristão de uma linha extremamente conservadora, que precisa da muleta da religião para não reverter a beberrão, influenciado abertamente pelos interesses de uma indústria de serviços de petróleo, incapaz de perceber nuances do certo e do errado.
Bush pai articulou uma guerra contra o Iraque frente a evidências claras. O Kuwait havia sido invadido. Se passasse em brancas nuvens Saddam Hussein invadiria um dia os outros países produtores de petróleo da região. E levaria consigo as práticas repressoras com que tratava seu próprio povo.
Mas com os tanques americanos já prestes a continuar a rodar sobre Bagdá soube escutar seus generais que ponderaram que sabiam como tomar o país, mas não tinham planos para se retirar do angu depois. O erro de Bush pai foi um só. Ter dado às oposições no Iraque uma impressão de que o ditador seria derrotado. O resultado foi que centenas de milhares de pessoas se sublevaram e foram mortas. Talvez o povo que está faltando agora.
Bush pai havia combatido numa guerra. Seu filho se escondera na Guarda Nacional durante o Vietnam. Bush pai pode ser o protótipo do aristocrata americano mimado. Mas tem o senso de dever desta classe. O filho é um bicão que construiu uma carreira acima de seu nível de competência, baseado nos anos de trabalho em cargos públicos do pai. Ao insistir em invadir o Iraque não deu nenhuma atenção ao futuro desengajamento de tropas. A administração dos territórios é uma técnica que os aliados já tinham estudado antes do primeiro soldado descer das barcaças na Normandia. Os administradores desciam do navio na terceira onda, com jipes e seus sargentos cabos e soldados treinados para a função específica e com manuais aplicáveis à região para qual fossem designados. McArthur no Japão levou conselheiros para reconstruir os micro e médios empreendimentos do país e ensiná-los como vender para o Ocidente.
As tropas de Bush Jr. ao contrário desceram com listas das empresas amigas que teriam contratos para reconstruir os meios de produção.
Em termos de dinastia, a ascensão de Bush Jr é algo nunca antes vista no governo americano. Quase ocorrera, pois Bob Kennedy poderia ter se eleito, mas foi assassinado. E Ted Kennedy se envolveu no escândalo da omissão de socorro a Mary Jo Kopechne. A lacuna de tempo derrubou muito do mito da família Kennedy. Alcoolismo, relações com a máfia, o fato de que os votos que elegeram John foram aportados pelos sindicatos de Illinois aportados pelo gangster Sam Giancana, não cumprimento de compromissos assumidos, amantes na Casa Branca e até o fato de que não foi só Lyndon Johnson como também John Kennedy que multiplicara o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnam.
Houve dois Roosevelt. Mas Theodore já estava morto e representara o progresso em outros sentidos daqueles que envolveram o desafio ao seu primo Franklin Delano Roosevelt mais de duas décadas depois.
Houve dois John Adams, o segundo presidente dos Estados Unidos, de 1797 a 1801 e sexto, John Quincy Adams de 1825 a 1829. E John Quincy Adams tinha uma notável folha de serviços à nação e ao judiciário. Inclusive muitos cinéfilos que viram o filme “Amistad” poderão lembrar que John Quincy Adams foi o advogado que em 1839 defendeu ante a Suprema Corte o direito dos Africanos do navio Amistad a defenderem sua liberdade do cativeiro e de retornarem à África.
A tentativa de criar uma dinastia Clinton na Casa Branca é uma manifestação de total ambição pessoal. Hillary alega que enquanto o marido foi presidente ela co-presidiu com ele. De fato observadores tão argutos quanto Fernando Henrique Cardoso, que privou de sua companhia tanto oficialmente quanto em eventos puramente sociais dos Clinton descreve-a como sendo quem realmente sabia das coisas.
Contudo igualmente os programas sociais patrocinados por ela foram mal sucedidos, despojados de qualquer senso prático. Poucas pessoas lembram dos escândalos do setor de viagens da Casa Branca enterrados pela morte (conveniente) da testemunha chave, que levou a culpa, ou do escândalo do projeto imobiliário de Whitewater, que envolvia os Clinton ao tempo que Bill era governador, todos esquematizados por Hillary.
Na verdade os Clinton dominaram nos últimos dezesseis anos a máquina política do Partido Democrata. Barak Obana é quase um milagre.
Al Gore certamente perdeu em parte porque a máquina Democrata, controlada pelos Clinton, não o apoiou inteiramente. E, sinceramente, Gore vem de uma tradicional família de políticos corruptos cujos nomes e deslizes são claramente apresentados nos romances de seu primo Henry Gore Vidal. Agora achou o papel de anjinho ecológico.
Com franqueza simpatizo com Barak Obama, até pelo respeito que demonstra a certos valores da tribo africana de que descende, mas acho ele tão bonzinho que assusta. E certamente inexperiente. Como nós no Brasil sabemos, ser bom de voto, ser atraente como o ursinho Puf, não são necessariamente qualidades de um bom governante.
Acho que John McCain é uma pessoa com valores testados. Aviador naval e prisioneiro de guerra em masmorras horríveis recusou-se a ser resgatado pelo simples fato do pai ser almirante, compartilhando o destino de seus pares. Tem uma tradição de serviço e também da Academia Naval de Annapolis excelente formadora de caráter. Não tem o perfil de decidir mandar soldados para a morte simplesmente baseado na sua opinião pessoal não confirmada pelos fatos ou apenas confirmados por assessores interessados em negócios, que ignoram e mandam para escanteio qualquer voz que negue as inferências que os interessam. É de uma dinastia sim. Não uma dinastia no executivo, numa dinastia de serviços ao país, como algumas que já tivemos aqui em José Bonifácio e outros, como os Adams, os Roosevelt ou muitas outras famílias que nunca passaram do terceiro escalão.
Quanto ao Brasil? Existem ainda pessoas ou famílias deste tipo? Sim, certamente. Mas no estado pútrido do tráfico de influências se sentem intimidados demais pela árdua tarefa de enfrentar estas autênticas cavalariças da Áugeas. Lembrem. Para limpá-las de sua imundície Hercules desviou todo um rio.

2 comentários:

ma gu disse...

Alô, Ralph.

Mais um artigo da série "O Prazer de Ler".
Com uma conclusão extremamente verdadeira. Porque considero verdadeira? Ontem, sábado, foi um exemplo. Lia os posts, mas me achava tão saturado que não consegui escrever comentários. Parece que o calundu começou a passar hoje.
Eu acho até engraçado quando posso ler o que alguém escreveu e, ao longo da leitura, verificar que estão ali todas as linhas que já percorreram minha mente.
Deve ser por estarmos ligados à FORÇA.

Ralph J. Hofmann disse...

Ah! Nós da Companhia do Anel e Dos Jedi temos de nos manter unidos contra o Império. Ainda bem que o Yoda está aí para nops orientar.