31 de mar. de 2008

A saudade, a uva, a indústria e livros

Por Ralph J. Hofmann

Tenho muitas lealdades geográficas. A Cidade do Cabo, onde nasci e que curto ao visitar, Porto Alegre, onde estudei que é uma cidade com fortes tradições libertárias advindas da Guerra de 1835 a 1845, cujos defensores criaram uma cultura aparte, hoje espalhada por muitos recantos do país pelas mãos dos Gaúchos que se aventuram ainda no século XX atrás de novas oportunidades, Joinville em Santa Catarina onde criei meus filhos.
Mas Caxias do Sul é um lugar central na minha vida. Viemos da África do Sul direto para Caxias com endereço marcado já dois anos antes. A empresa de meus familiares decidira abrir uma unidade no Brasil. E meu tio-avô por algum motivo intuiu a gloriosa cidade que aquela região, à época com 20.000 habitantes havia de ser.
Quando chegamos na cidade, ao fim dos anos 40, os comerciantes podiam receber suas mercadorias na calçada. A transportadora descarregava e eles tomavam seu tempo para acomodá-la nas suas prateleiras e depósitos, já pequenos para o volume de negócios que faziam.
Muitas casas do centro ainda eram de madeira, e continuaram sendo até a década de sessenta,
Mas a cidade tinha já empresas importantes nacionalmente, como o Eberle, a firma Gazola e as vinícolas na época ainda produzindo poucos vinhos de qualidade.
Isto faz parte de minhas lembranças de criança de colo, reforçadas pelas histórias que depois ouvi contarem até deixar a cidade em definitivo para correr mundo em 1978. Em 1979 com a morte de meu pa,i minha irmã vivendo em Porto Alegre, minha mãe se mudou para cá e eu passei nestes anos pouco tempo na cidade. O maior período foi a semana em que meu filho fez vestibular da UCS, mas ele acabou optando pela UFSC em Florianópolis.
Mas ainda me considero um gaúcho e um caxiense. A cidade tem qualidades excepcionais. Por exemplo, na década de sessenta era difícil encontrar alguma pessoa ativa no comércio que não estivesse tirando algum curso para avançar os conhecimentos que alguns haviam adquirido com um ou dois anos de escolaridade. Com a abertura das faculdades locais, que geraram a UCS , muitos empresários de sucesso passaram a fazer exames de madureza e cursar economia ou direito. A Aliança Francesa e o Cultural Americano estavam cheios de classes com pessoas maduras.
Era uma ânsia de progredir culturalmente.
Mas a preocupação com a cultura vinha de muito antes. Duas semanas atrás, ao decidi ir à Festa da Uva pela primeira vez em muitos anos. Fui num dia de semana não esperando muita coisa. Queria principalmente almoça e conversar com um casal de amigos fraternos.
Na Festa da uva tive uma grata surpresa. De uma maneira moderna o evento tinha recuperado algo da simplicidade das primeiras festas de que me lembro. As empresas gigantescas não dominavam mais a exposição. Havia discretos stands de empresas grandes, obviamente para prestigiar tanto o evento como os seus clientes que viriam à cidade. Mas a Festa voltara a ser principalmente de Uva e Vinho, e das empresas médias que amanhã serão grandes, as emergentes. A sensação era dos velhos tempos. Donos de empresas orgulhosamente em seus stands, ou membros das famílias, ou jovens futuros diretores representando entusiasticamente as empresas.
O lado cultural, a história da cidade estava também muito bem representado por stands com a história fotográfica da cidade, desde vila de colonos ate hoje. As instituições como associações também haviam se encarregado de mostrar sua função no desenvolvimento da cidade. Vi fotografias de pessoas que não me lembrava ha anos e que, eram líderes na maioria não-políticos que se uniam sempre que era necessário atrair alguma vantagem para a cidade.
Um dos pontos altos, e que muito me surpreendeu foi o stand da Biblioteca Pública. Homenageava-se o fundador, Dr. Demétrio Niederauer. O nome me chamou a atenção porque me parecia familiar, mas não o ligava a nenhum fato. Comentei isto com a moça que estava ali representando a biblioteca e só então me dei conta que era o stand da biblioteca.
Conversei por alguns minutos e lembrei de ocasiões, quando tinha uns oito anos, em que freqüentara a biblioteca. As fotos me transportavam de volta para um momento, um cheiro de livros, uma professora do colégio levando os alunos conhecer a biblioteca.
Recebi um livro belissimamente produzido sobre a biblioteca, e, bastante atarefado, só fui examiná-lo condignamente este fim de semana, O livro realmente conta muito da cidade através dos anos visto aos olhos desta biblioteca. E mais, em fotos das prateleiras mostrou o respeito por qualquer tipo de livro. Além de livros normalmente aceitos como literatura para intelectuais estão preservando o tipo de livro que ensinou muitas gerações a apreciar a leitura pela leitura. Não a leitura para melhorar o caráter ou os conhecimentos.
Numa das páginas há fotos das lombadas dos velhos livros da Editora Nacional, creio que a coleção se chamava Terramarear, onde se publicaram as obras de E.R. Burroughs sobre Tarzan, as aventuras de Robin Hood, os piratas de Rafael Sabatini, livros que no ginásio e no científico comprávamos e trocávamos entre nós, e que levaram muitos de nós, mais adiante, à literatura séria. Alguém pensou muito profundamente ao preservar estes livros.
É claro que se encontram livros de consulta, afinal, é uma cidade com um grande contingente de universitários, mas a atenção aos leitores em formação foi a que mais me comoveu.
E como nunca consigo escrever nada sem colocar no contexto de um país em que o Presidente vê livros com franco desprezo não posso finalizar sem chamar a atenção para o fato de que, a 700-800 metros de altitude, longe de qualquer vantagem natural como um porto, minérios, rios para o transporte, se criou uma cidade que tem sido um dos motores da industrialização do país. Por que? Porque foi criada por gente orgulhosa de ser independente, habilidosa, com capacidade de expandir seus conhecimentos e sobre eles construir novas idéias, com um profundo respeito pela cultura e pelo saber e sem medo de enfrentar desafios novos na busca de conhecimentos.
Agradeço ao pessoal da Biblioteca Pública de Caxias ter me feito lembrar disto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Senhor Ralph,
Concordo plenamente com o senhor.
Visitei esta bela cidade há muitos anos, lá fiquei por 4 dias, como base para visitar a região.
Mas pude curti-la com minha família. Que cidade maravilhosa. Tenho uma grande quantidade de cartões postais da cidade. Pretendo voltar assim que o imposto de renda deixar sobrar algum dinheirinho em minhas finanças familiares.
Adoro o povo gaúcho, por sua fibra.
Contudo, acho que os políticos gaúchos de hoje estão manchando um pouco a história desse povo maravilhoso, principalmente os políticos de um certo partido.
Não que os outros também não sejam iguais. É que no Rio Grande do Sul isso não ocorria no passado.
Os políticos gaúchos sempre foram, no meu entender, mais éticos que os demais. No passado pelo menos. Considero os gaúchos o povo mais aguerrido, mais valente de nosso país.
Fomos recebidos maravilhosamente bem quanto visitamos o Rio Grande.
Os padrinhos de minha filha são gaúchos, gente que amo, que adoro.
Viva o Rio Grande do Sul. Se não fosse fluminense, com certeza eu seria gaúcho.

Ralph J. Hofmann disse...

Tens razão quanto à moral cadente entre os políticos, mas repare que tivemos 16 anos de PT na prefeitura de P. Alegre irradiando corrupção e jeitinho para outros municípios às custas das rendas do erário dos Porto Alegrenses e um Governo Olívio Dutra.