27 de mai. de 2007

Um País Imperial

Por Ralph J. Hofmann

Este domingo, 27 de maio, Porto Alegre amanheceu num dia de outono, daqueles dias com céu de brigadeiro, mas com um frio que não deixou os termômetros passarem de 14°C. Isto depois de duas semanas que não pareciam de outono e sim de inverno. Saí a caminhar pelo meu bairro, o Bomfim, o ghetto. Após o almoço fui a uma feira de rua, evento anual, na Rua João Telles. Todos estávamos bem agasalhados, mas estimulados por aquele ar limpo e seco e pelo sol amigo. Não se viam ponchos, afinal o frio não estava para tanto. O normal eram casacos, pulôver e alguns cachecóis.
Entrementes ouvi o noticiário dizendo que está muito frio na Região Centro-Oeste. 22°C . Já da Bahia meu filho escreve que está sofrendo temperaturas de 27°C em alguns dias. Mas que o normal é mais de 30°C.
Saindo da Rua João Teles fomos tomar um expresso num bar da calçada. Sim! Da calçada, nós sulistas somos de uma cepa que toma expresso quente ou cerveja gelada na calçada seja qual for a temperatura, desde que não esteja chovendo. Vento a gente agüenta. Mas com chuva já é demais!
Havia pessoas comendo sonhos na confeitaria ao lado e comentei que o primeiro sonho da minha vida eu comera na escola em Caxias do Sul (850 m de altitude, mais frio que Porto Alegre), no primeiro ano primário. Fora numa tarde de inverno, chuvosa em que subitamente a temperatura caíra vertiginosamente. As serventes do colégio público que ganhavam uma graninha vendendo mariolas, pés de moleque e rapaduras de leite com legítimo espírito empreendedor imediatamente organizaram uma cozinha no corredor, onde faziam sonhos e pastéis que serviam ainda quentes aos alunos que haviam trazido dinheiro para a merenda. Pastéis daquela época. Estourando de carne, sem essas frescuras de recheio de queijo. Nada de sonhos cortados no meio com doce de leite no meio. Esses sonhos eram recheados com nacos grandes de geléia de goiaba, inseridos antes de fritar os sonhos. Junto com um Toddy quente eram legítimos salva-vidas.
Ficamos discutindo se os invernos eram muito mais frios na época, ou se era nossa memória. Finalmente um de nós lembrou que os prédios de colégios públicos da época tinham um pé direito imenso, e que as janelas iam quase até o teto. E que nem mesmo os colégios particulares, como os de padres e freiras tinham algum sistema de aquecimento no inverno ou de frio no verão. Comentou que os desenhos dessas escolas fora padronizado por Vargas na década de trinta. Que burocratas haviam sentado em torno de uma mesa e decidido as características das escolas e dos hospitais públicos nessa época.
O modelo funcionara bem no Rio de Janeiro e outras áreas quentes do país. Mas onde havia outonos e invernos de verdade fora um fiasco, mas em existindo os prédios tiveram de ser aproveitados. Em Porto Alegre houve um hospital para tuberculosos exatamente neste conceito. Geladíssimo, correntes de ar. Morte garantida. Foi reformado nos anos cinqüenta, mas então em parte os tuberculosos haviam morrido e por outro lado a doença havia sido controlada pelas novas drogas.
Na década de noventa tive oportunidade de visitar alguns CIACs (ou seja lá que se chamavam essas escolas padronizadas do fim do século XX). Visitei uma na serra catarinense num dia de inverno. Dava para largar um papagaio dentro do prédio, tamanho o vento lá dentro. Novamente se construíra para um país tropical, o país dos niemeyers e dos funcionários públicos, um país que absolutamente não existe entre o Oiapoque e o Chuí, com um único clima.
É o Brasil Imperial. Um brilhante burocrata da FGV (ou Harvard?) senta num gabinete em Brasília e decreta qualquer coisa. Mandam-se botas para Bororó – RN (36° C à sombra) e sandálias para Castelhanos – RS (8°C à sombra). Com isto distribui-se sapatos para todas as crianças carentes de Bororó e Castelhanos. E o burocrata recebe louvor e promoção. E o Zézinho de Bororó pega bicho de pé enquanto o Juquinha de Castelhanos é internado com pneumonia dupla. Mas certamente, na média o cara acertara. Fornecera calçados para todas as crianças carentes de ambas cidades, obedecendo a uma média de temperaturas.
Esse é mais um motivo pelo qual o governo central deste Império não pode seguir gerindo impostos, salvo aqueles necessários às agências reguladoras, ao exército, ao Itamaraty, algumas obras de nível interestadual e o estado mínimo. O restante teria de ser gerido onde gerado. Além de garantir a natureza das obras, o sistema reduziria a quantidade de níveis em que mãos ávidas poderiam enfiar o dedo no prato enquanto o ágape sobre para Brasília e depois desce para os estados.

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