9 de out. de 2007

A "Viagem" de Virginia Wolff

Por Laurence Bittencourt Leite

Para a escritora Virginia Woolf (foto) ter dinheiro era mais importante do que votar. A frase pode parecer esnobe, mas é de uma verdade bruta. A frase está contida no seu ensaio “Um teto todo seu”, onde ela diz que para a mulher se realizar como escritora era preciso ter “um teto todo seu e dinheiro”. Pensem. A frase de Virginia se inscreve nos dilemas femininos, mas vale também para pensarmos os dilemas da democracia. De que adianta democracia se a pessoa não tem dinheiro no bolso? Logo...
É fácil pregar algo quando se tem onde morar e comer. Ok. E há quem veja no ensaio de Virginia ressentimento. A idéia dela parte de que a educação feminina sempre foi menor porque elas recebiam uma educação de segunda categoria, não tendo por isso, um teto (um quarto) todo seu para colocar em cena sua produtividade individual. É fato. Basta perceber que mesmo no século 19, há casos de escritoras que se escondiam atrás de nomes de homens, como por exemplo, Currel Bell, George Eliot e George Sand (essa última feia de dó, viveu um romance intenso mas curto com o tímido músico Chopin).
Mas em seu livro de ensaios de 149 páginas há questões interessantes, onde Virginia por exemplo admite que o ressentimento prejudicou obras como “Jane Eyre” de Charlotte Brontê (que usava o pseudônimo de Currer Bell). Já no caso de “Orgulho e Preconceito”, da grande Jane Austen, segundo a autora de “Orlando”, ela teria escapado do ressentimento e produzido uma obra de primeira grandeza. É interessante como argumento inicial. Para Freud, no entanto, todo grande artista era servo de profundos ressentimentos com o que ele chamou de civilização. O artista ressentido com o choque se isola, e busca voltar à civilização através de sua obra. Essa é uma das teses de “O mal-estar na civilização”.
No entanto, o mais incrível nos “ensaios” é que Virginia defende que a mulher escritora deixe de lado o ressentimento, ainda que ela própria fosse profundamente ressentida com os homens. É bom saber que Virginia era bi-sexual terminando por suicidar-se se afogando num lago. A indefinição sexual é a mola dos problemas mentais disse Freud.
A cura para Freud estava em não ir contra a própria natureza, superando o conflito. Mas, claro, isso é difícil para quem vive e sem um apoio profissional é muito difícil. E Virgínia não conseguiu superar esses conflitos. Amar e trabalhar eram o máximo que o ser humano conseguiria alertou Freud.
Mas retirando as definições psicológicas, corretissimas a meu ver, o que fica é que Virginia produziu algumas das mais altas literaturas do século XX. Por falar nisso, há um filme (não totalmente biográfico) chamado “As horas” onde o autor, o diretor Sthepen Daldry, produz um dia na vida de três mulheres, sendo elas, Virgínia Woolf (vivida impecavelmente por Nicole Kidman), e duas personagens fictícias (encenadas pelas atrizes Jullyanne More e Meryl Streep) em três momentos (épocas) diferentes.
O filme é um flash-back interessante, pois tem inicio com Virginia escrevendo seu livro “Mrs Dalloway” em 1929, sob os atentos cuidados de seus médicos e familiares, e principalmente do marido Leonardo Woolf. Em seguida o filme corta para o ano de 1951 onde a personagem Laura Brown (Jullyanne Moore) está lendo o livro já publicado “Mrs Dalloway” e por fim, há novo corte para 2001 com Clarrisa Vaughn (Meryl Streep) vivendo uma história atual.
O filme se baseia no livro homônimo de Michael Cunnighan, que por sua vez se inspirou exatamente no livro de Virginia “Mrs Dollaway”. O filme é primoroso porque sério e tecnicamente bem concebido. Mas há falhas também. Apesar da grande atuação, quase diria perfeita, de Nicole Kidman no papel de Virgínia, é no personagem de Meryl Streep que se encontram os maiores paralelos com a vida dúbia da autora.
O filme também retrata (sugere) um marido preocupado e cheios de cuidados. Na vida real, porém, sempre ficou a interrogação do porque de mesmo sabendo das depressões profundas de Virginia, Leonardo não a levou para um tratamento psicanalítico ou mesmo psiquiátrico algo mais do que comum e aceito na Londres já não tão provinciana dos anos 20 e 30. Esse tipo de “descaso” levou alguns críticos a perceberem uma falta de amor e dedicação mais verdadeira por parte do marido para com a escritora. De qualquer forma para quem é chegado a um filme, vale a pena assistir “As horas”.
laurencebleite@zipmail.com.br



2 comentários:

Anônimo disse...

Otimo artigo! Parabéns.

Anônimo disse...

Belo texto.