7 de nov. de 2007

O chato de Aracati

Por Adriana Vandoni

Chato é aquele que quando menos se espera, ele aparece. De repente numa fila, no elevador, no velório não importa o lugar, até na festa de aniversário de uma amiga o chato aparece. Ninguém está imune a ele. Chato não tem idade, não tem sexo, cor, peso. Chato é chato e pronto acabou. Existem tipos de chatos, mas sem dúvida o mais chato é o chato com propriedade.
Chato com propriedade é aquele especialista em tudo, profundo conhecedor de todas as ciências. É o especialista em generalidades. Para esses tipos, que não são tão raros, desenvolvi uma técnica: não discuto. Deixo o chato ganhar a discussão, seja qual for o assunto. Deixo até que ele interprete um texto meu, mesmo que a sua interpretação seja totalmente diferente da realidade. Pra que discutir? O chato estava falando com tanta propriedade, com tanto conhecimento que não seria eu que iria contrariar, pô! Talvez por isso que eu não seja a interlocutora preferida do chato.
Mas o chato é chato mesmo. O chato sai de casa determinado a importunar alguém, a atrapalhar uma roda de conversa, sempre tendo em mente que está é disseminando seu profundo conhecimento das coisas. Qualquer coisa, qualquer assunto, até a irrelevante participação do Barão de Aracati na fundação de Pelotas.
- Achei muito interessante esta, veja só. Conheci a Dra. Cláudia Leitão, ex-secretária de Cultura do Ceará e ela me contou sobre as semelhanças entre as cidades de Aracati no Ceará e Pelotas no RS. Parece que a formação das duas cidades, apesar das enormes diferenças regionais, foi obra de uma mesma pessoa, dizia eu numa roda quando o chato interronpeu a conversa:
- Estranho. Porque o Barão de Aracati é muito antes disso. Não é possível.
Estranho foi o clima que se formou na roda, o chato duvidou da conversa com um tom desafiador, como se eu estivesse mentindo. Eu falava e o chato retrucava.
- Bem, pelo que a Claudia me disse, o maior charqueador de Aracati, responsável pela transformação de vila em cidade, em função de uma seca, foi descendo o Brasil e parou em Pelotas., tentei explicar ao chato, mas ele, irredutível e com a propriedade de quem engoliu a história do tal do Barão de Aracati respondeu:
- Estranho mesmo porque o Barão de Aracati, foi isso, foi aquilo, foi aquele outra.
Caramba!, pensava eu, e vem o chato novamente com este Barão de Aracati. Onde que eu fui amarrar minha égua! Deve ser fixação desta pessoa pelo Barão. Eu não tinha tocado no nome dele, nem sabia a sua participação nesta história. Ah, quer saber?, vou deixar pra lá. Quando não levamos a conversa do chato adiante provocamos duas reações: primeiro o chato estampa no rosto um sorriso de gozo, nesse momento ele se sente o máximo por ter “vencido” a discussão; depois o chato fica frustrado por não ter tido a oportunidade de demonstrar a superioridade dos seus conhecimentos.
Fim de papo, porém, apesar de não ter levado a conversa adiante, cheguei em casa encasquetada com a história de Aracati e Pelotas e claro, fui atrás de informações. Não era possível a Dra. Claudia, uma pessoa preparada, mestre em Sociologia do Direito pela USP, doutora em Sociologia pela Université Paris, enfim, não era possível que ela tenha me contado uma lorota ou um devaneio.
Conheci Claudia este ano aqui em Cuiabá, por intermédio de um amigo e ex-professor meu da FGV, Dr. Enrique Saraiva. Eles eram palestrantes de um Seminário sobre Gestão Cultural e eu fui apanhá-lo para conhecer a cidade. Claudia estava no saguão do hotel e eu a convidei para ir conosco. Foi nesse agradável chá com bolo de fim de tarde, quando eu comentei meu encantamento por Canoa Quebrada, uma praia de Aracati, que a Claudia me contou a história entre a cidade de Aracati e Pelotas.
Pois bem. José Pinto Martins e seu irmão, João Pinto Martins, eram donos das duas maiores “oficinas” – nome dado às propriedades que preparavam a chamada carne de sol ou do sertão, de Aracati. Em 1777 ocorreu a chamada de "seca dos três setes", que extinguiu com a atividade charqueadora no nordeste. José Pinto Martins então com pouco mais de 20 anos, desceu o Brasil e foi parar às margens do Rio Pelotas onde montou seu próspero negócio: as charqueadas. Isso representou uma verdadeira "revolução econômica" para o Rio Grande do Sul, a indústria saladeiril. Foi em função da prosperidade da atividade econômica que por decreto Pelotas foi elevada à condição de município, em 1812.
E daí vieram as semelhanças entre as duas cidades, Aracati e Pelotas. Semelhanças que levaram os dois municípios em 2005, a assinarem um acordo de geminação, numa cerimônia ocorrida em Pelotas com a participação dos prefeitos Bernardo de Souza de Pelotas e Expedito da Costa, de Aracati, além do governador do Ceará na época, Lúcio Alcântara e de vários secretários estaduais de ambos estados, dentre eles a Dra. Claudia Leitão.
Explicado? Sim.
Agora, onde entra o Barão de Aracati? Na cabeça do chato!

3 comentários:

Anônimo disse...

Adriana
Você está errada!
A Claudia está errada!
O José e o João estão errados!
Os políticos que fizeram os acordos estão errados!

Certo é óbvio, está o chato!
Afinal, o Barão de Aracati é "antes disso"!

Anônimo disse...

Arnaldo Jabor é um profundo conhecedor dos chatos, como demonstra em seu artigo “As mil faces dos chatos fundamentais”, publicado em “O Globo”, em 21/03/2006 (http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=256385).
Guilherme Figueiredo é outro, conforme seu livro “Tratado Geral dos Chatos”.
Arnaldo Jabor escreveu que Tom Jobim, uma das maiores autoridades em chatos de todos os tempos, ensinava um truque infalível: “Use óculos escuros. O chato fica desorientado, pois ele adora ver o próprio rosto refletido em teus olhos desesperados.”

Abreu disse...

Assino em baixo.

Assinado: O Chado

Hehe!