A internet é pródiga em fornecer informações irrelevantes. Na bateia dentre várias pedras opacas, contudo, distingue-se uma pepita rara que é a questão política que emerge do seio do Ministério Público. Como já havíamos adiantado tantas outras vezes, engana-se quem pensa ser ali uma confraria de defensores de um mesmo ideal, onde a harmonia impera pelo bem comum, consoante inserto na Constituição. Ao contrário – os órgãos colegiados da instituição são palcos de disputas das mais comezinhas, tão condenadas nas arenas essencialmente políticas.
Com mais ou menos vontade política, os promotores engalfinham-se com o Procurador-Geral por um naco das cabeças a prêmio que o Ministério Público brasileiro costuma colecionar e fazer delas um trampolim para a visibilidade na mídia. Ignorando princípios constitucionais, mormente os ligados à presunção de inocência e intimidade do cidadão, vão os caçadores agora serem algo da própria ânsia pelo linchamento. Segue, portanto, em capítulos, um drama bastante real, com nomes e sobrenomes, a demonstrar uma nada delicada polêmica que gira em torno de uma postura jurídico-política entre os sunitas e xiitas do MP mato-grossense.
Capítulo I: Premier
Publicados e-mail´s no episódio da posse de Bosaipo no TCE, a esgrima verbal chegou a este ponto: “antes que alguém tome para si os louros por se ter impetrado o mandado de segurança contra a indicação do nosso réu Bosaipo para o Tribunal de Contas é preciso que todos os colegas saibam que, na verdade, a iniciativa foi sua (de Domingos Sávio, referindo-se ao Dr.Roberto Turim)”. Arremata a mensagem, apelidando o Procurador-Geral de simpático “Premier”. Percebam também a macabra denominação de “nosso réu”, dos caçadores de troféus. Pensava eu que o acusado seria da justiça. Mas não – as cabeças dos condenados ainda são uma espécie de prêmio no mostruário do acusador inquisitorial.
Capítulo II: O Duelo
Da saborosa polêmica virtual, eis outra estocada entre os distintos membros do Ministério Público de Mato Grosso, tratando da melhor ação para derrubar Bosaipo: “Então, doutor Domingos Sávio, até entendo que Vossa Excelência esteja atordoado pela abstinência de poder que há tempos lhe acomete, mas, creio que, como promotor de Justiça que é, poderia ao menos ter a dignidade de não tentar macular a honra do chefe da instituição e de outros colegas, com meias-verdades. Da próxima vez, tente ser um pouco mais sincero”. Feitas as cortesias da casa, deu-se o round por encerrado.
Capítulo III: o Revide
De corpo fechado, Bosaipo foi razão de cizânia entre os confrades de Parquet, sem que nenhum deles alcançasse o intento de cabalar o afastamento. O já citado servidor, com muito nível, responde ao emissário: “Ao invés de ficar trocando e-mails comigo venha aqui no meu gabinete ou, então, podemos marcar um encontro em outro lugar, para, então, colocarmos o papo em dia... (coisa de homem)”. Round de equilíbrio. Aqui, as farpas desagravaram uns e outros. Em todo o caso, ta feia a coisa na Casa de Noca. Queremos ver agora se há coerência institucional a apurar a verborragia no episódio do faroeste caboclo. Será que o Procurador-Chefe fará mais do que censurar o uso de e-mail? Ou se deterá às questões disciplinares, mais particularmente as que afetaram a sua atuação apontada como flácida no caso do neo-conselheiro?
Capítulo IV: Epílogo
Resumo da ópera, a cargo do promotor Marcelo Ferra, em ponderada epístola: "(...) Agora, saindo da discussão jurídica, manifestações como a sua, colega Domingos, em nada contribuem para a instituição e demonstram desprezo a colegas que divergem das suas convicções. Ainda demonstram para o Judiciário que na própria instituição a medida não é pacífica (o seu e-mail foi direcionado a promotores, servidores, estagiários e sabe-se lá para quem)". Um reparo: não é só o Judiciário quem saberá como as coisas se processam no Ministério Público, unido e harmonioso no combate ao crime, mas não à falta de compostura e respeito recíproco. De toda a sorte, certo está Ferra – roupa suja, lava-se em casa, diz o adágio popular.
Uma nota didática
Um homem como Fernando Baracat não pode ser ignorado. Cada qual presta à sociedade a contribuição própria de sua personalidade. Uns a criticam, outros a analisam uns a comemoram. É legítimo todo trabalho que engrandeça valores de sociabilidade num tempo de solidão coletiva. Chamou particular atenção a nota discreta que Fernando publicou em sua coluna d´A Gazeta.
Eis o texto, ipsis literis: “O governador Blairo Maggi quebrou um hábito entre os governadores que dirigiram este Estado. Há seis anos à frente do governo estadual ele não recebe os poderes (AL, TJ, TCE, MPE, secretariado, entre outros) para confraternização como historicamente acontecia em todos os outros governos. A posição anti-social do nosso governador já galgou lugar no seio da nossa sociedade, mas a insensibilidade das celebrações, ou a falta delas, isso nunca a sociedade vai se acostumar, muito menos absorver”.
De minha parte, devo dividir a colocação de Baracat em duas, consoante opinião que faço do fato descrito pelo colunista. Primeiramente, acho que o governador faz muito bem em manter-se distante dos demais poderes. Aliás, é princípio republicano guardar um afastamento protocolar, enquanto no exercício do cargo. O executivo não pode fazer pequenas mesuras para os demais mandatários e o contrário também se confirma. É pena que, no primeiro mandato, ainda que sem o chá com bolo, o executivo não tenha se mantido essa mesma isenção, influindo diretamente no humor dos poderes mato-grossenses, imiscuindo assuntos de governo com questões de estado.
Aliás, há tantas coisas que poderiam ser aprimoradas com um modelo republicano restaurado. A formação de tribunais, por exemplo, seria um ótimo começo. O fim de cargos comissionados, mais um tento para o jogo democrático. A autonomia orçamentária real dos poderes e não um jogo de faz-de-conta cujo contingenciamento é mero arbítrio dos governantes, o final da reeleição, a fidelidade partidária, a celeridade processual, o fim das emendas parlamentares, enfim, é uma boa sugestão de bula pros vícios que acometem as obsessões políticas brasileiras e regionais.
Penso que até a confraternização poderia ser mantida, desde que não passasse de mero exercício de fineza que, aliás, não faz mal a ninguém. Nenhum mal há em tratar civilizadamente até mesmo os adversários, criticando-os severamente, mas com respeito. Creio mesmo que talvez tenha sido esse o enfoque abordado por Fernando. Todavia, o segundo trecho da nota publicada é indefectível. A sociedade nunca se acostuma com indelicadezas. A rudeza, como sinônimo de eficiência e profissionalismo, é um equívoco. É possível ser bastante produtivo, eficiente, profissional, sem ser grosso.
Uma última palavra. As celebrações, citadas por Baracat, são formas encontradas pela sociedade para aglutinar seus valores e comemorar avanços de civismo, religiosidade ou tradição histórica. O governante que ascende às alturas do poder, mesmo os avessos às badalações, não pode descartar esse componente popular relevante e a presença do governador ou de qualquer outra autoridade não diz respeito ao afeto por esta ou por aquela personalidade, e sim uma etiqueta pública que preserva o convívio entre as instituições e a sociedade. Enfim, tudo isso para explicar o que Baracat já disse em uma única nota. Para mim, didática e profética nota.
Capítulo II: O Duelo
Da saborosa polêmica virtual, eis outra estocada entre os distintos membros do Ministério Público de Mato Grosso, tratando da melhor ação para derrubar Bosaipo: “Então, doutor Domingos Sávio, até entendo que Vossa Excelência esteja atordoado pela abstinência de poder que há tempos lhe acomete, mas, creio que, como promotor de Justiça que é, poderia ao menos ter a dignidade de não tentar macular a honra do chefe da instituição e de outros colegas, com meias-verdades. Da próxima vez, tente ser um pouco mais sincero”. Feitas as cortesias da casa, deu-se o round por encerrado.
Capítulo III: o Revide
De corpo fechado, Bosaipo foi razão de cizânia entre os confrades de Parquet, sem que nenhum deles alcançasse o intento de cabalar o afastamento. O já citado servidor, com muito nível, responde ao emissário: “Ao invés de ficar trocando e-mails comigo venha aqui no meu gabinete ou, então, podemos marcar um encontro em outro lugar, para, então, colocarmos o papo em dia... (coisa de homem)”. Round de equilíbrio. Aqui, as farpas desagravaram uns e outros. Em todo o caso, ta feia a coisa na Casa de Noca. Queremos ver agora se há coerência institucional a apurar a verborragia no episódio do faroeste caboclo. Será que o Procurador-Chefe fará mais do que censurar o uso de e-mail? Ou se deterá às questões disciplinares, mais particularmente as que afetaram a sua atuação apontada como flácida no caso do neo-conselheiro?
Capítulo IV: Epílogo
Resumo da ópera, a cargo do promotor Marcelo Ferra, em ponderada epístola: "(...) Agora, saindo da discussão jurídica, manifestações como a sua, colega Domingos, em nada contribuem para a instituição e demonstram desprezo a colegas que divergem das suas convicções. Ainda demonstram para o Judiciário que na própria instituição a medida não é pacífica (o seu e-mail foi direcionado a promotores, servidores, estagiários e sabe-se lá para quem)". Um reparo: não é só o Judiciário quem saberá como as coisas se processam no Ministério Público, unido e harmonioso no combate ao crime, mas não à falta de compostura e respeito recíproco. De toda a sorte, certo está Ferra – roupa suja, lava-se em casa, diz o adágio popular.
Uma nota didática
Um homem como Fernando Baracat não pode ser ignorado. Cada qual presta à sociedade a contribuição própria de sua personalidade. Uns a criticam, outros a analisam uns a comemoram. É legítimo todo trabalho que engrandeça valores de sociabilidade num tempo de solidão coletiva. Chamou particular atenção a nota discreta que Fernando publicou em sua coluna d´A Gazeta.
Eis o texto, ipsis literis: “O governador Blairo Maggi quebrou um hábito entre os governadores que dirigiram este Estado. Há seis anos à frente do governo estadual ele não recebe os poderes (AL, TJ, TCE, MPE, secretariado, entre outros) para confraternização como historicamente acontecia em todos os outros governos. A posição anti-social do nosso governador já galgou lugar no seio da nossa sociedade, mas a insensibilidade das celebrações, ou a falta delas, isso nunca a sociedade vai se acostumar, muito menos absorver”.
De minha parte, devo dividir a colocação de Baracat em duas, consoante opinião que faço do fato descrito pelo colunista. Primeiramente, acho que o governador faz muito bem em manter-se distante dos demais poderes. Aliás, é princípio republicano guardar um afastamento protocolar, enquanto no exercício do cargo. O executivo não pode fazer pequenas mesuras para os demais mandatários e o contrário também se confirma. É pena que, no primeiro mandato, ainda que sem o chá com bolo, o executivo não tenha se mantido essa mesma isenção, influindo diretamente no humor dos poderes mato-grossenses, imiscuindo assuntos de governo com questões de estado.
Aliás, há tantas coisas que poderiam ser aprimoradas com um modelo republicano restaurado. A formação de tribunais, por exemplo, seria um ótimo começo. O fim de cargos comissionados, mais um tento para o jogo democrático. A autonomia orçamentária real dos poderes e não um jogo de faz-de-conta cujo contingenciamento é mero arbítrio dos governantes, o final da reeleição, a fidelidade partidária, a celeridade processual, o fim das emendas parlamentares, enfim, é uma boa sugestão de bula pros vícios que acometem as obsessões políticas brasileiras e regionais.
Penso que até a confraternização poderia ser mantida, desde que não passasse de mero exercício de fineza que, aliás, não faz mal a ninguém. Nenhum mal há em tratar civilizadamente até mesmo os adversários, criticando-os severamente, mas com respeito. Creio mesmo que talvez tenha sido esse o enfoque abordado por Fernando. Todavia, o segundo trecho da nota publicada é indefectível. A sociedade nunca se acostuma com indelicadezas. A rudeza, como sinônimo de eficiência e profissionalismo, é um equívoco. É possível ser bastante produtivo, eficiente, profissional, sem ser grosso.
Uma última palavra. As celebrações, citadas por Baracat, são formas encontradas pela sociedade para aglutinar seus valores e comemorar avanços de civismo, religiosidade ou tradição histórica. O governante que ascende às alturas do poder, mesmo os avessos às badalações, não pode descartar esse componente popular relevante e a presença do governador ou de qualquer outra autoridade não diz respeito ao afeto por esta ou por aquela personalidade, e sim uma etiqueta pública que preserva o convívio entre as instituições e a sociedade. Enfim, tudo isso para explicar o que Baracat já disse em uma única nota. Para mim, didática e profética nota.
Um comentário:
Magistral Adriana
Clareza e constrição em seus escritos são sua marca registrada.
Parabéns
Roberto
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