6 de dez. de 2007

Crônica

Imperdível esta crônica de Eduardo Mahon. Não sei vocês, mas eu já vivi várias vezes situações como esta. Boa Leitura!

Turbulência Infantil
Por Eduardo Mahon é advogado em MT e Brasília.

Era o vôo 3599, de Brasília para Cuiabá – período matutino. Aeronave lotada, todos ocupados ao celular, notebook, palm, enfim, a modernidade. Manhã meio preguiçosa, chuva fina - garoa. Chamada e embarque normais. Sentou-se, junto à mãe, aquele lindo pimpolho, loiro de olhos azuis, uma graça! O pai, infelizmente, foi remanejado para alguma cadeira do fundo, face ao provável agendamento tardio da família. Decolou o avião – começou a leve turbulência.
Primeiro, o biscuit dourado gritava e batia na própria mãe, uma graça! Todos olhavam um lindo garoto com aquela cara de candura, menos complacentes que a própria genitora, aquela santa que apanhava e pedia candidamente para que seu amo parasse de humilhá-la em público. Até então, o avião seguia bem, beirando a velocidade de cruzeiro, estabilizando-se na rota.
Veio o lanche. A turbulência aumentou. O primeiro sanduíche foi atirado ao chão pelo lindo e loiro pimpolho. Aqueles cachinhos reluzentes encheram-se do queijo do segundo sanduíche, enquanto a escrava maternal tentava, em vão, corrigir-lhe a postura. O pão do outro sanduíche teve a mesma sorte, sendo apanhado pela comissária de sorriso protocolar. Acabou o café, com o banho previsível de coca-cola naquela penitente.
Em seguida, o ócio. Eis aí o inferno da criançada e o problema insolúvel para as mães dos assim chamados “agitados”. Abram-se parênteses: agitado é uma forma carinhosa de se apelidar a criança sem qualquer limite. Prosseguindo. Diante do enorme ócio daqueles quarenta minutos restantes de vôo, o pequeno príncipe decidiu brincar com os cabelos do passageiro da poltrona da frente. Uma graça, realmente. Levantou-se, ficou de pé no banco e puxou fio a fio a vasta cabeleira acaju do cândido sofredor do assento da terceira fileira. Uma graça!
Evidentemente, a mãe, aquele poço de bondade, não reprimiu a criançola. Foi o passageiro, ligeiramente incomodado, quem pediu à comissária para mudar de assento, solicitação infelizmente desatendida, dada lotação máxima daquele vôo e, claro, nenhum outro conviva queria arriscar-se àquela sorte ingrata. Trocados sorrisos, mesuras e desculpas de parte a parte, por cinco longos minutos, o infante sentou-se e começou a rasgar as revistas que tinha à frente. Cantarolava a todo pulmão uma música que, no decurso do trajeto, quase decorei.
Então, lembrava-me do poetinha – ser mãe é padecer no paraíso. Era o tempo de pensar que um avião não era propriamente o éden e, ademais, do simpático versinho, sobrava mesmo o padecimento. Mas que lindo era o pequeno soberano, uma graça. Roupinha azul, sapatinho de marca, babá no banco de trás, portando enorme mochila. Assaltou-me um pensamento – os primeiro socorros eram para a criança ou para os criados que a acompanham? De qualquer sorte, seguimos viagem e ainda restavam uns vinte minutos.
Foi então que aquele encanto resolveu passear pelo avião. Incapaz de resistir às súplicas um tanto quanto veementes, a mãe quedou-se novamente prostrada e o homem do corredor deu passagem. Que alegria! A tripulação achou o máximo aquela linda criança indo e vindo a todo o vapor pelo corredor, batendo nas portas dos banheiros ou nas janelas. A essa altura, teve ela uma idéia infeliz. Foi procurar o pai, exilado nas poltronas do fundo. Não foi um bom presságio, antevi.
O pai, aquele homem um pouco seco, pegou o filhote pelo braço, dando uma leve pressão de modo a calar a criança. Não sei se chegava a ser um beliscão, porquanto furtivo demais para divisar a embocadura da reprimenda. Imediatamente, rumou em direção à mãe, condoída de ver a cria um tanto constrangida. O menino, coitado, não foi capaz de abrir a boca, enquanto algumas furtivas lágrimas adiantavam-se pelo rosto. Uma pena, uma graça. Surpreendentemente, os passageiros não protestaram diante do mostro violento. E os direitos humanos? E as modernas pedagogias? Enfim...fomos todos cúmplices daquele barbarismo.
Uma vez sentado, em ligeiro estado de choque, o menino lá ficou, atolado na enorme poltrona do avião. O pai sentou-se novamente em seu assento. Era o sinal para o recomeço da turbulência. Começamos a descer, procedimento de praxe, mesinha travada, cadeira na vertical, cinto afivelado e coisa e tal. Bem, a criança não queria colocar o cinto. Para que? Chorou, berrou, bateu, cantou, enfim, exerceu todo o direito à liberdade que lhe assistia. Finalmente, a glória – afivelou-se com o comissário no auxílio prestimoso.
E assim tocamos o solo, cansados e agradecidos. Para outros, há turbulências piores em vôos – caírem máscaras. Para mim, nada pior do que fedelhos mal-educados por pais preguiçosos e lenientes com futuros corruptos.

Um comentário:

ma gu disse...

Alô, Adriana.

Jóia a crônica. Politicamente correta, como soe a um bom advogado. Quanto a mim, se estivesse no lugar do passageiro do cabelo, teria me ajoelhado no banco e dado um esporro no anjinho. E se não adiantasse, outro na mãe. Não me importaria nem um pouco em ser politicamente incorreto. Parece que é isso que está fazendo falta na atualidade. As modernas pedagogias, ...não faz isso, filhinho... servem apenas para o resultado final da crônica aliás, muito bem apanhada.