29 de fev. de 2008

A Alma das Células

Dois pensamentos opostos para refletirmos, já que na próxima semana teremos a votação no Supremo sobre o direito ou não do uso das células tronco em pesquisas.

"A vida humana começa a partir da fecundação, portanto, já temos um ser humano e essa vida não pode ser manipulada e nem descartada," diz Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB.

"Pode ser que seja pras minhas filhas pras minhas netas. O importante é a gente está se mobilizando agora pela vida das pessoas que estão aqui", disse a funcionária pública Patrícia Almeida que tem um câncer de origem genética e é defensora das pesquisas com células-tronco embrionárias.

Leia abaixo (em Leia mais) um artigo meu publicado em 2004.


A Alma das Células
por Adriana Vandoni – publicado em 17.11.2004

“A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe”. Este verso do poeta Mario Quintana representa bem toda dúvida que existe sobre essa nossa “parte imortal”. Ah, a alma humana! Algumas vezes nos deparamos em questionamentos filosóficos sobre ela. Se é perda de tempo e besteira para muitos, significa a diferença entre a vida e a morte para outros, muitos outros.
Explico melhor! O mundo foi surpreendido pela eleição de Bush, apesar do desastre do seu governo em todas as áreas. Sua eleição se deveu em boa parte devido aos “valores morais”, aí incluídos a luta contra o aborto, a união homossexual e também as pesquisas com células-tronco. É sobre estas que quero falar.
A luta de setores conservadores contra as pesquisas utilizando essas células, como as igrejas, conduziu à hostilidade obstinada contra as evoluções nessa área. Receio que isso ocorra pela necessidade de possuir bandeiras que dêem coesão aos fiéis em meio às evoluções tecnológicas que conduzem o mundo à racionalidade. Imagino que, nos EUA, passou a ser interessante aos políticos conservadores manter essa partilha de bandeiras. Um ajudou o outro.
Infelizmente essa crença retira a oportunidade da realização de pesquisas que possibilitariam a cura de muitas doenças, e isso simplesmente porque está definido dogmaticamente que o ser humano é formado no momento da fecundação. Mas será mesmo? O que é a vida? Quando a alma humana se forma? Creio que esta seja uma das grandes preocupações das igrejas. Quando a alma humana se forma? Que Deus nos dê novos iluministas para abrir nossas mentes, engessadas há 300 anos do nosso tempo!
Há uns meses Dr. Dráuzio Varella tentou, em um artigo, dar racionalidade a esse questionamento. Mesmo aqui é possível ser racional! Lembrei-me dele após a eleição de Bush. Dr. Varella questionava o momento da criação da alma humana. Crer este momento como sendo o da fecundação, o encontro entre o óvulo e o espermatozóide, em que uma mistura de genes do homem e da mulher forma um zigoto, e aí este como já sendo detentor da alma humana, permitiria-nos supor que, como disse o Dr. Varella, como os chipanzés possuem 98% dos nossos genes, um dia a ciência poderia dar os 2% que lhes faltam para ter sua alma. Outros animais, com outras diferenças genéticas, também teriam em um outro tempo a possibilidade de conquistar a sua alma.
Acredito que o que nos dá uma alma, que nos diferencia do restante das espécies, é um “lampejo” que nos dá capacidade de raciocínio, de compreender a nós mesmos e o mundo que nos cerca, e isto só é possível após a formação do nosso sistema nervoso central. Antes disso somos “sensitivamente” iguais a um rato ou a uma cobra. Segundo o Dr. Varella os primeiros espasmos de atividade cerebral, que nos possibilitaria diferenciar cognitivamente de outras espécies, e, arrisco dizer, iniciar nossa alma, começa a ocorrer só lá pela décima segunda semana de gestação. Se quiséssemos dar um mínimo de racionalidade a todos estes questionamentos deveríamos supor que esse seria o momento da criação da alma humana. Com certeza as almas já formadas das crianças iraquianas agradeceriam. Com tantas pessoas morrendo, bombardeadas ou por doenças que já poderiam ter cura, pensar diferente é jogar fora alguns séculos da evolução do conhecimento humano simplesmente porque existe uma disputa irracional e, creio, menos religiosa e mais política.

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