13 de fev. de 2008

Chasque da cultura - a cachaça

Por Cláudio Pinto de Sá

Domingo, 10 de fevereiro/2008. Enquanto era esperada a passagem da Cavalgada do Mar, evento anual que percorre o litoral gaúcho, de Quintão à Torres, num ano, e no sentido inverso, no outro, composta por quase três mil cavaleiros (as), e que já pediu registro no livro dos recordes, o professor Paulo, chamado de Paulinho Paiacan, colocou, na areia da praia, sob um guarda-sol, numa tábua formando uma espécie de mesa, ou balcão, meia dúzia de garrafas de boca larga contendo frutas com cachaça. Abacaxi, butiá, ameixa e outras faziam par a uma garrafa contendo uma cobra d’água, morta, igualmente na cachaça. Várias pessoas que estavam por perto ou que por ali passavam, eram atraídas pelo inusitado “bar” ali instalado. A surpresa ocorria quando gentilmente o Paulinho Paiacan as convidava para um gole. O preço? Era uma gargalhada dos presentes quando ao novo visitante era oferecida a cachaça com cobra.
O povo, em sua maioria, é formado por pessoas boas e espirituosas. É uma lástima que esta terra descoberta por Cabral tenha cinco séculos de extrativismo. O que é roubado quer do erário, quer de pessoas físicas ou jurídicas, num só ano, aplicado corretamente, modificaria a situação miserável de patrícios brasileiros. Assim mesmo o povo quer ser, ou é levado a ser, alegre. Carnaval, futebol e festas populares seriam maravilhas se, na mesma proporção, ao povo fosse ofertada a disciplina, a educação e a cultura; teríamos uma nação rica e alegre. Pois o nosso povo o é. Exemplos como esse, do Paulinho Paiacan, abundam pelas mais diversas regiões brasileiras. É a espontaneidade característica do brasileiro. Míseros trocados para a aquisição de cachaça, frutas e algumas garrafas. E a cordialidade surge, vivenciada por uma pequena comunidade. Todos riem, tomam um traguinho e saem felizes. É fácil e barato criar espaços para a confraternização. Difícil é viver triste a roubar, numa ridícula ilusão de prestígio e segurança.
Assim, neste quadro, a nossa brasileiríssima cachaça cumpriu a missão tão singela de levar alegria a um grupo de pessoas. Todos saíram embriagados daquele episódio. Ébrios de fraternidade, respeito e nova amizade. Parabéns, Paulinho Paiacan, pela iniciativa. Ou melhor, parabéns, não: muito obrigado por nos conduzir a instantes fraternos e alegres. Às vezes penso que os(as) senhores(as) que tomam as decisões neste país se enganam de garrafa e só tomam cachaça com cobra d’água.

3 comentários:

Anônimo disse...

Vou cometer uma prosa de cobra, No Pau da Garrafa.
Numa de minhas viagens pelo interior da Bahia, trafegando por uma estrada esburacada, onde tinha atoleiro e até mata-burro, cansado de tanto sacolejar resolvi parar no único boteco das imediações para tomar uma água ou mesmo uma lata de cerveja. Havia um bambu bem alto com uma garrafa pendurada como se fosse um peixe fisgado, deduzi logo que aquele local era onde os pinguços da região iam molhar o bico. O lugar meio esquisito abrigava logo na entrada três negros acocorados na sombra do tapume de palha.
O boteco, pequeno e típico tinha de quase tudo que seus fregueses precisavam: fumo de rolo,farinha ,barra de sabão ,gilete,faca, agulha de costura ,espelho, uma infinidade de pequenas coisas. Tinha cachaça,cachaça branquinha e cachaça com raiz,perguntei ao desconfiado e lerdo botequeiro, se ele vendia isqueiro e também se tinha uma cerveja bem gelada. Ele disse que a geladeira era a querosene mas estava com defeito e não gelava nada .Acendi um cigarro e olhei para os outros,eu era o objeto da observação deles também, meio sem jeito,ofereci um cigarro. – Nois fuma é picão, mas se for uma pinga nois bebe. Que pinga tem ai moço? - Tem pura , misturada, tem tudo: tem cipó cabôco, cipó cravo, pau do mato, pau de resposta,cipó cabiludo, losma,mastruz, levanta difunto,cobra coral.Tem pinga até para mordida de cobra, só não tem pra cascavé, essa moço, morde e corre pro corpo não cair em cima, como eu to dizendo aqui nessas garrafas só não tem cura pra essa cobra e pra tiro de papo amarelo 44. Os convidados não se fizeram de rogados, se aproximaram e tomaram a bebida de modo curioso abriam bem a boca e praticamente jogavam a pinga sem perder uma gota. Com os olhos avermelhados cuspiram e agradeceram .E o sinhô num vai tomá nada, bebe um "Pau de Resposta" que miora sua vida, depois pode dizer que tomou uma no pau da garrafa.Atendi a sugestão,dei uma golada no troço, me deu uma zoeira nos ouvidos e uma fisgada no "joelho", paguei e sai zunindo, ao pegar o carro ouvi o comentário :“esse hoje vai é prantá mandioca”. Não bebi a cerveja mas sai turbinado!

Ralph J. Hofmann disse...

Gostei muito.
E por sinal, ocasionalmente vou incluir outros "chasques" do Aymoré (Cláudio)tradicionalista dos mais ativos no RS.

ma gu disse...

Alô, Ralph.

Aproveitando o relato, já que gaúcho é dado a um bom sarro, vai ver o ministro da justiça, que por azar do Estado nasceu lá, aproveitará a oportunidade para baixar uma norma proibindo também cavaleiros de beber a batida...
Diga-se de passagem que os guris são culpados, porque eles é que projetaram a figura no cenário da comédia (ou da tragédia).