7 de fev. de 2008

Não cola nada

O carisma do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - ou seu teflon, ou sua blindagem, seja lá o que for - desafia até o senso comum e a sabedoria dos mais velhos. Minha avó paterna, Nanita Germano, dizia duas coisas que a experiência de sua longevidade confirmara e reconfirmara, mas o presidente tem desmentido nestes cinco anos de gestão. A velha sertaneja jurava que “em boca fechada não entra mosquito” e também que “quem fala muito dá bom dia a cavalo”. Um contemporâneo e como ela natural da aprazível cidade serrana de Luís Gomes, na serra do mesmo nome, no Rio Grande do Norte, o comerciante Gaudêncio Torquato, pai do colega homônimo desta página, ensinava a quem se dispusesse a ouvir a ancestral filosofia dos mascates: “Quem quer vender ouve o freguês e diz amém.”
Egresso de outra região serrana de clima frio no meio do sertão, a de Garanhuns, em Pernambuco, Sua Excelência, contudo, pisoteia essas tiradas de lucidez e sabedoria popular com a mesma freqüência com que despreza os cânones gramaticais. Na semana anterior à folga nacional generalizada decretada por Momo, o chefe do governo driblou a coerência (a “virtude dos imbecis”, segundo Chatô, outro “rei do Brasil”), jogou a lógica aristotélica para escanteio e mandou às favas o óbvio ululante, sem, contudo, pôr em risco o apoio da galera nas arquibancadas fiéis.
Lula passou cinco anos comemorando as constatações periódicas feitas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de que a devastação da Amazônia estava sendo detida. Tratava-se de um sofisma simplório: clareiras abertas na floresta para pastagens ou por motosserras continuavam devorando a mata virgem, mas a um ritmo mais lento, como “nunca antes na história deste país”. Com o mesmo ímpeto com que soltava fogos de artifício às boas notícias, contudo, ele vituperou contra a fonte delas quando esta constatou o oposto. Fiel à máxima pragmática que derrubou o sério diplomata Rubens Ricupero do Ministério da Fazenda do governo-tampão de Itamar Franco, de que governos alardeiam boas notícias e tentam esconder as ruins, o presidente cantou sobre o ovo que parecia bom, mas tratou de esconder no borralho o que gorou.
No caminho, passou por cima dos fatos, sem constrangimentos. Diante da constatação do Inpe de que foram desmatados 3.235 quilômetros quadrados entre agosto e dezembro do ano passado, o que fez a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acionar o alarme, seu instinto de político o fez convocar imediatamente uma reunião com seis ministros para tratar do problema. Depois, seguindo sua estratégia de agir sem pensar muito para não deixar os outros pensarem antes, suspendeu o crédito concedido a agricultores e pecuaristas dos municípios onde mais se desmatou. Da noite para o dia, aos pecuaristas e latifundiários de hábito se juntaram novos vilões: os pequenos agricultores beneficiados pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. E resolveu adotar de novo a solução malograda do recadastramento de 80 mil propriedades, com 100 milhões de hectares. Nada disso, é claro, vai deter a velocidade da devastação da floresta tropical, mas também nada disso reverterá sua estratégia do ziguezague na gestão e, sobretudo, no discurso sobre ela.

Leia a matéria de José Nêumanne em O Estado de São Paulo

Um comentário:

Stefano di Pastena disse...

Caro Giulio

Infelizmente, a tal blindagem mágica do Chefão deve-se a um povo rigorosamente desfibrado e ignorante.