14 de fev. de 2008

"Sou...mas que não é?

Nossa terra é pródiga em produzir contorcionismos e contorcionistas. Em algumas coisas, isso nos tem trazido sucesso, como no futebol ou na dança, por exemplo – desde que esse atributo esteja associado a algum senso de objetividade. Na maioria dos casos, particularmente quando se trata de contorções outras que não as corporais, acabamos pagando um preço elevado pelas gracinhas.
As mais nocivas das nossas contorções são as que sistematicamente fazemos para não enfrentar questões que nos pareçam difíceis ou conflituosas. No linguajar, escapulimos excessivamente para os eufemismos; na administração, trocamos os problemas de endereço para fugir aos riscos das soluções; em economia, adoramos paliativos e esquecemos que são temporários; na política, transformamos a desejável prudência numa arte de divagação: não gostamos de levar certas coisas às últimas conseqüências, preferindo levá-las a lugar algum; não gostamos de cometer absurdos agudos ou pela porta da frente, mas não nos incomodamos em torná-los crônicos ou introduzi-los sub-repticiamente.
No rosário de escândalos que tem caracterizado este governo, mais uma vez as coisas se aproximaram demais da saúva rainha. Quando isso acontece, o formigueiro fica agitado e agressivo. Da primeira vez – quando o publicitário oficial surpreendeu, em plenário, confessando o inconfessável – houve, por poucos dias, choro e ranger de dentes. Só até perceberem que a oposição, como nos filmes de capa e espada, cavalheirescamente devolveria o florete sem ferir o chefe. Os “traidores” citados nos queixumes feitos na famosa entrevista a Renata Lo Prete (foto) evaporaram-se, dando origem ao segundo maior mistério da vida nacional. Não sabemos, até hoje, se Capitu traiu Bentinho e, agora, jamais saberemos quem traiu Lulla. Bom, também não sabemos de onde veio o dinheiro dos “aloprados”. Com isso, o presidente Callamares vence Machado de Assis por 2 a 1.
Os tucanos não perdem o estilo. Querem investigar os gastos feitos com cartão corporativo, mas se propuseram logo a poupar a família real. Receberam o merecido troco: a proposta de uma CPI especializada em história contemporânea, retroagindo até 1998, e a comparação meio capenga com o cartão de débito do governo paulista. De qualquer modo, o suficiente para retomar a tese canalha de que somos todos iguais. Já houve comentarista explicando, pela milionésima vez, que a corrupção é uma doença que atinge a todos os brasileiros indistintamente, e que a culpa, claro, continua sendo dos colonizadores. Como diria o Tavares, aquele personagem pilantra do Chico Anísio: “sou, mas... quem não é?”.

Leia a matéria de João Nemo em Mídia sem Máscara

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