Esta semana tive a oportunidade de conversar com o professor Roberto Romano, um dos mais importantes intelectuais brasileiros. Ele é professor de Filosofia e de Ética da UNICAMP, Doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, autor de vários livros e consultado sempre quando o tema é comportamento ético dos políticos. Na juventude foi militante da esquerda ligado a Ação Popular - AP, movimento de inspirado nas idéias de Teilhard Chardin e de Hegel. Esteve preso pela ditadura militar (1964-1985) e depois exilado em Paris. Conversamos sobre a esquerda brasileira pós chegada ao poder, sobre as mudanças nos discursos e nos rumos, a corrosão das Instituições brasileiras e sobre o que ele denomina de retorno ao absolutismo. Conversamos até sobre fatos de Mato Grosso. Leia a entrevista abaixo:
Qual foi a reação de acadêmicos como Marilena Chauí, em relação aos desvios éticos do governo Lula? E antes, em relação à “Carta aos brasileiros”, onde era anunciada uma mudança de comportamento?
Roberto Romano: A Marilena no começo, como boa parte da esquerda pensante, tentou fazer críticas à Carta aos brasileiros e à política econômica. Na reforma da previdência houve um debate em que nós dois fomos convidados. Uma semana antes essa senhora tinha ido ao Palácio do Planalto e dito que quando Lula fala o mundo se ilumina e tudo se esclarece. Quando eu soube, mandei uma carta aos organizadores perguntando se eles não tinham vergonha de convidar alguém que tivesse uma posição daquele tipo, não por defender o governo, acho legítimo defender qualquer governo. Pois bem, esta senhora foi e criticou a reforma da previdência. Isso fez com que o corpo docente emitisse uma nota dizendo que eu era ranheta, que meu nível mental era muito baixo e coisas parecidas. Um mês depois ela escreveu um artigo na Folha de SP defendendo a reforma da previdência. E ai a associação docente da Unicamp lançou uma nota de repúdio à professora Marilena Chauí porque ela tinha quebrado com sua própria palavra.
Então como ficam os intelectuais?
Roberto Romano: Sempre você tem essa história do poder e dos intelectuais. Os intelectuais quase sempre, salvo honrosas exceções, têm a veleidade de elaborar idéias e programas e quando aqueles que têm o poder para executar as idéias e programas rompem com essas idéias, ou eles se afastam para a vida privada ou eles fazem esse triste papel que essa senhora está fazendo.
Depois disso o que ocorreu com a esquerda?
Roberto Romano: Ocorreu algo muito comum na esquerda quando chega ao poder, sem nenhuma novidade em termos históricos. Entre o programa arvorado pelo partido, antes de chegar ao poder, e as medidas práticas, sobretudo de ordem econômica, há uma distância muito grande. Há uma quebra, lógica, doutrinária, tendo em vista a adaptação. Aconteceu na União Soviética na revolução de 1917, na social-democracia alemã, na social-democracia francesa. O interessante é que para esses a mudança era apenas um recuo tático, para que a Revolução ganhasse força e depois seguisse outras etapas. Aqui no Brasil essa idéia está mantida apenas na consciência dos líderes de esquerda mais radicais e de alguns militantes.
Se a postura adotada não surpreendeu, o que surpreendeu foi a corrupção?
Roberto Romano: Isso surpreendeu só aos muitos ingênuos ou aos muito idealistas. Há muito tempo, ainda no período FHC, os militantes do PT já percebiam corrupção. Em SP teve o caso Lubeca. E dentro do PT teve o caso do Paulo de Tarso Venceslau que ficou muito claro. Ele denunciou a corrupção, foi feita uma espécie de comissão de análise e julgamento ... e ele [Paulo de Tarso ] foi condenado e as pessoas que estavam providenciando a corrupção foram absolvidas.
Então essa mudança da ética imaculada, ao “somos iguais a todo mundo” não ocorreu depois que o Lula tomou posse. Ela já vinha.
E em função disso o PT conseguiu chegar ao poder?
Roberto Romano: Não gosto de ser maniqueísta. Acho que o PT naquele período teve experiências admiráveis na administração de prefeituras, algumas premiadas pela Unesco, e ao mesmo tempo teve essa entrada na corrupção generalizada que ocorre em toda a federação brasileira, essa super centralização dos poderes e dos impostos no campo federal e a difícil ida desses impostos para o município, o que leva muitos prefeitos à tentação da corrupção.
Por isso o senhor diz que estamos vivendo um retorno ao absolutismo?
Roberto Romano: Exatamente. Nós estamos retornando a esse princípio absolutista da irresponsabilidade do governante máximo e dos seus ministérios, e ao mesmo tempo essa ganância por impostos e essa concentração de poderes em suas mãos.
Lula é um autoritário camuflado por uma pseudo-ignorância?
Roberto Romano: Não. Lula é claramente autoritário. Fazendo uma análise do discurso, Lula fala sempre a partir do eu, é ‘egocrata’ (que significa poder personalizado; etmologicamente, poder do eu) no seu limite. ‘Eu concedo isso’, ‘Eu imagino aquilo’. Não há nenhum disfarce quanto ao autoritarismo. Todas as vezes em que ocorreu uma crise, primeiro ele apelou para o povão com discurso demagógico, mas nesses discursos ele reafirma que é o dono do poder.
Isso o torna perigoso à democracia?
Roberto Romano: Lula é uma pessoa perigosa à democracia porque ele conseguiu encarnar a figura do ditador sul-americano. Entrou no modelo Peron, Vargas e tudo mais, soube utilizar esse modelo, inclusive com todas as suas características. Ele não tem a Evita Peron, mas ele tem a Dilma Rousseff, que agora é a mãe do PAC. E pode ter certeza que se a Dilma for candidata, o que certamente os petistas não vão deixar, ela virá com esse modelo. O slogan será “Dilma, a mãe dos pobres”.
Lula encarna todos os elementos das ditaduras populistas da América do Sul.
Aonde Lula queria chegar ao afagar Severino Cavalcanti e elevar Chávez à posição de pacificador?
Roberto Romano: Isso é próprio dessa linhagem de ditadores populistas. Quando Lula decide que Severino Cavalcanti foi injustiçado pela elite paulista e paranaense, ele usa o discurso autoritário onde sempre há a benção a um indivíduo ou grupo, contra um abstrato. O que e quem é a elite paulista e a elite paranaense? Isso é muito próprio de quem imagina que a sua vontade está acima da racionalidade e inclusive das doutrinas.
Lula passou a existir além do PT?
Roberto Romano: Bem no começo do PT as propagandas eram realistas como o realismo socialista. Lula aparecia feio, barbudo, mal vestido, falando errado, e todos os demais eram desse modo. Ele continua falando errado, mas melhorou bem. Pouco a pouco eles foram contratando técnicos de comunicação, marqueteiros, e foram glamorizando sua figura e o seu discurso, mantendo esse apelo às massas populares e, ao mesmo tempo, vendendo-se como fiáveis e confiáveis.
E qual a mensagem que o PT passa hoje?
Roberto Romano: Hoje eles estão dizendo o seguinte: estamos fazendo o possível. Eles prometiam o céu e a terra, se prometiam como santos, o que era uma temeridade e agora estão fazendo o possível. Ora, o possível qualquer um pode fazer! Fernando Henrique oferecia a utopia do possível, o pessoal do PFL, agora DEM, também sempre ofereceu o possível, então eles não estão oferecendo nenhuma novidade.
O Brasil corre o risco de se transformar em uma Venezuela?
Roberto Romano: Não vejo risco de isso acontecer. O risco é que as Instituições brasileiras estão sendo corrompidas, e isso não é obra só do Lula, é um trabalho que vem sendo executado há um bom tempo, mas ele levou essa corrupção à perfeição. Nós não temos mais um legislativo de verdade, nós temos uma instância de aceitação dos decretos presidenciais, que são as medidas provisórias. Então existe essa corrosão institucional patrocinada pelo Lula, mas com um padrão diferente.
Essa corrosão se reflete em outras esferas, não é? O senhor acompanhou o caso de um acordo firmado entre o governo de MT e o TJ.
Roberto Romano: Sim, acompanhei. Primeiro no seu blog, o prosa e política, depois li na Folha de São Paulo. Isso é a maior prova de uma corrosão das instâncias autônomas do estado. É o fim do mundo, é o fim da picada, é uma coisa de ficar com vergonha do estado brasileiro. Porque a Constituição de 88 tem a virtude de ser baseada no conceito de autonomia, quando existe a abdicação dessa autonomia pelo Poder que deveria ser, obrigatoriamente, o defensor da autonomia, que é o judiciário. Se o judiciário faz isso com a autonomia, o que não faz com a cidadania? Onde vai parar o direito do indivíduo?
Roberto Romano: Não vejo risco de isso acontecer. O risco é que as Instituições brasileiras estão sendo corrompidas, e isso não é obra só do Lula, é um trabalho que vem sendo executado há um bom tempo, mas ele levou essa corrupção à perfeição. Nós não temos mais um legislativo de verdade, nós temos uma instância de aceitação dos decretos presidenciais, que são as medidas provisórias. Então existe essa corrosão institucional patrocinada pelo Lula, mas com um padrão diferente.
Essa corrosão se reflete em outras esferas, não é? O senhor acompanhou o caso de um acordo firmado entre o governo de MT e o TJ.
Roberto Romano: Sim, acompanhei. Primeiro no seu blog, o prosa e política, depois li na Folha de São Paulo. Isso é a maior prova de uma corrosão das instâncias autônomas do estado. É o fim do mundo, é o fim da picada, é uma coisa de ficar com vergonha do estado brasileiro. Porque a Constituição de 88 tem a virtude de ser baseada no conceito de autonomia, quando existe a abdicação dessa autonomia pelo Poder que deveria ser, obrigatoriamente, o defensor da autonomia, que é o judiciário. Se o judiciário faz isso com a autonomia, o que não faz com a cidadania? Onde vai parar o direito do indivíduo?
16 comentários:
Meu Deus do céu! Que presente, que lucidez, que tudo! Quero ler e reler com muito carinho, para poder absorver essa análise e assim poder pautar meus pensamentos. Eu também fui, por muito tempo, admiradora da esquerda, mas hoje ela é sinônimo de bandidagem. Bandidagem comum, mesmo, com aparatos de galinhas cacarejadoras.
"Lula encarna todos os elementos das ditaduras populistas da América do Sul".
E ainda o "EGOCRATA".
Além de ser tudo que já é, o Professor Romano, parece ser um radiologista de mão cheia; Foi a maior radiografia que já vi nos últimos tempos de uma pessoa.Foi uma entrevista e um raio x da chaga PT.
Esta entrevista,faz-me lembrar de um papo de boteco,tempos atrás.
Um homem dizia:
Quando criança,eu acreditava em Deus.
Na adolescência,em Marx.
Hoje,só na loteria.
Adriana e Cássio, ao ver no RA um texto do Roberto Romano, ia entrar para dizer da entrevista daqui, quando vejo a transcrição feita pelo Cássio. Malandrinho! Apesar do seu Banana, hehe, isso é muito bom. Sinto-me honrada de ser uma dos 26, mas acho que mais pessoas têm que estar na luta. Divulguei a entrevista, também no coturnonoturno. Momento histórico, qundo um intelectual do naipe de Romano sai à luta e começa a embasar teoricamente uma nova era de olhos abertos. Parabéns a você e parabéns ao meu pé que me fez ficar sentada na cadeira durante estes dois meses, só malhando nas notícias. E obrigada ao Magu pela "sedia", pela cathedra. Belo presente, que me consolou enquanto estou meio manquetola. Já estou bem melhor. Não se esqueça de colocar na programação do Congresso uma palestra com Roberto Romano, comentada pelos 26, hehe. E vou precisar de uma das cadeiras elétricas.
Brincadeiras à parte, vamos esperar a repercussão do texto e da entrevista. BUEMBA!
Adriana e Cássio. Hoje é um dia histórico. Acima dos políticos, dos economistas, dos burocratas, dos jornalistas e dos simples leitores, veio uma voz de um grande intelectual para pôr os pingos nos ii. Todos esses que citei são insignificantes? Não. Mas a presença de um intelectual rompendo o silêncio de uma classe que estava alheia, quando não prostituída (como no caso dos que usufruem das benesses das Ongs), tira da boca dos cacarejantes o argumento de que são apenas palavras de oposicionistas. Diante da imbecilidade reinante de mães e pais, de beijos selinhos que desnudam a falta de ética, de decoro e de consideração pelo mínimo de inteligência de uma nação, uma voz isenta e sábia vem dizer: não, a história é outra, os caminhos são outros e a civilização não se processa só pelo bel-prazer de seres ignorantes e corruptos. YYeeaaa!
Olá Rô. O pior é que o Reinaldo Azevedo, ou a dona Reinalda, hehehe, publicou o comentário inteiro. Dá prá ver no meu comentário que apenas pretendia que publicassem a entrevista, até sem citar o blog. Não quis promover o blog, mas ele acabou colocando que o prof. lê o P&P. Legal!!
Já escrevi outros comentários lá, inclusive falando para parar de citar o nome do Nassif, já que acaba sendo uma propaganda gratuita, e sempre escrevi para não publicar o comentário com o modesto conselho, o que ocorria. Desta vez acho que ele entendeu que o P&P merecia ser citado.
Valeu!! Somos pequenos, mas estamos na mesma luta.
Sobre o número de leitores do P&P, que citei lá, é mesmo igual ao do José Dirceu. É a pura verdade!!!
Caro Cássio, mas é da lei natural que a família cresça e que os filhos mais velhos sejam os mais queridos. Se esquecer de nós, vou ficar brava. Eu, não sei se fui tratorzona, achava que vocês deveriam aumentar o espectro, pois vocês são muito bons e aplicados na busca de novos valores e de um hornalismo moderno, embora isso tenha seus perigos. Abra o coturnonoturno agora e veja o que está escrito lá (não nos comentários, mas nos posts.Deve ser o segundo ou terceiro).
Cassio, se o blog tem poucos comentaristas,não perde pela qualidade,todos aqui participam com opiniões.
Duzentos comentários de aplauso como: Valeu! Matou a pau! É isso aí! Mete a mão na cara dele, não vai acrescentar muito na essência da proposta do blog.
Aprendeu rápido heim, parou de falar que entrevistou. Preferiu dizer que conversou.
Legal, começou a respeitar os jornalistas que passaram por uma faculdade e parou de falar que entrevista pessoas.
Bem mandada sra. blogueira.
Ass. Sr. Banana.
Rô e Marreta, eu sei como é. Eu mesmo leio diversos e não comento. Só quando desejo muito. Antes tinha vergonha, hehehe, até neste, e comecei ajudando nos vídeos e imagens, mas estou me soltando. Não é fácil expor a própria opinião, mesmo quando sob anonimato, e entendo quem apenas lê. Faz parte. Mas são vcs que dão vida a esta nova forma de jornalismo (o frutinha não vai gostar). Uma coisa tenham certeza, aqui no "nosso" espaço não manda corrupto. Quem manda somos nós, e, tenham certeza, eu e Adriana não devemos nada a ninguém. Nem imposto estadual eu pago!!, hehehehe, sou dentista!! Não podem nos perseguir, e por isto se valem de ofensas. Mas, como disse antes, faz parte de quem emite opinião ou se torna público. Fazemos a nossa parte neste latifúndio de desvarios.
Hehehe, pra quem não comentava nada, acho que peguei gosto.
Abs
E continua com dificuldades para interpretar o que lê. O post tem o título, em letras garrafais: "ENTREVISTA COM ROBERTO ROMANO". Haja!!!!
Chegou tarde hoje Sr. Banana.
Estava plantando bananeira?
Marreta, já disse, não comprometa as bananas. Vamos generalizar, dividir com todas as frutas. Agora é só sr. frutinha, hehehehe.
Cumprimentos ao Blog!
Para quem não consegue se acostumar com a sujeira, com a indignidade, com a falta de vergonha, de honestidade, de integridade... e de tudo o mais que embrulha nosso estomago, "ouler" o Professor Romano serve como bálsamo para aliviar nossa inteligência e nossa alma de toda essa podridão que enlameia o Brasil nos últimos 5 anos.
É meio aborrecido comentar sem acrescer nada ao conteúdo postado, apenas para "marcar ponto".
Só discordar sem dizer um bom porquê — tanto quanto fazer 'gracejos' ou pseudo picuinhas que não levem a lugar algum, é coisa de desocupados — pecado que não macula 25 dos "26 do forte".
Por outro lado, só aplaudir a quem não careça, também me soa esquisito — porque o Prof. Romano não vai dar bola para isso.
Pois é. Mas serei incoerente comigo mesmo e farei aqui o que também não fiz lá no Blog do Reinaldo, apenas para dizer que ambas as leituras verdadeiramente me enriqueceram pois expandiram-me a mente, alargaram meu conhecimento e deixaram-me muito mais crítico do que sou, pois me ensinaram a enxergar na escuridão e não apenas a tatear.
Coisas assim, tão simples como o ovo de Colombo é que são as pepitas mais raras ou as pérolas de maior valor, perdidas nos pântanos pútridos de mesmices da internet — onde mesmo assim, encontramos verdadeiros oásis como é o Argumento & Pros... ôooops!, como é o Prosa & Política.
Não vou dar parabéns ao Prof. Romano. Não! Vou agradecer a ele pelo acréscimo de riqueza cultural que nos proporcionou.
Parabéns, de fato, quem merece é a Adriana pela belíssima entrevista que fêz, colhendo tão lúcido depoimento.
Obrigado ao Professor Romano e Parabéns à Adriana & Equipe por esta primeira gota deste bálsamo revigorante, deste tão rao e valioso elixir.
Alô, Pessoal.
Já disseram tudo! A cereja é a frase do ¥oda: Acréscimo de riqueza cultural.
Só a agradecer ao professor e à dona do blog por nos dar essa radiografia do glorioso partido, como disse o Marreta, só possível por quem tem a rede neural perfeitamente disposta, e as sinapses sem vestígios de zinabre, como é o meu caso...
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