24 de abr. de 2008

Entrevista da semana

Esta semana eu conversei com a Dra. Eluise Dorileo Guedes sobre o caso da menina Isabella. Dra. Eluise é psicóloga, terapeuta familiar, especialista em luto pela PUC. Faz parte de um grupo humanitário internacional que atende grupos que passam por grandes tragédias. Especialista em tratamentos de traumas. Ela fala sobre a comoção popular, o papel desempenhado pela imprensa e sobre a “dor que não tem nome”, a dor de perder um filho e como é possível, através de técnicas específicas, se recuperar e viver apesar da perda.
Veja a entrevista completa em ‘leia mais’.

O que está levando a população a tamanha comoção a ponto de tentar agredir? O nível social dos envolvidos influencia?
Dra. Eluise: A população assumiu o papel da mãe. E está odiando aquele casal. Mas não vejo o nível social da família como um fator. Acontece que eles [os envolvidos] foram mais expostos na mídia e isso acontece em casos de baixa renda também. Mas nesse caso eu acredito mais na cobertura da imprensa. Existe o componente a mais do crime ter sido cometido pelo próprio pai, porque as pessoas estão indignadas com a atitude desse pai, que parece ser um homem totalmente desestruturado.
Essa histeria vai passar, em dias esse caso vai cair no esquecimento.

Para passar depende da mídia ou da ação da justiça?
Dra. Eluise: As duas coisas porque a mídia está instigando a justiça, ela fica o tempo todo em cima da justiça. Existe o lado bom e o ruim da mídia. Ela é boa ao alertar a população, mas ela denigre e instiga as emoções básicas do ser humano: amor, raiva, dó, ódio. Veja que as pessoas estão demonstrando sentimentos. Levam flores, livros, cartazes, enfim, são as condolências. As pessoas estão se colocando no lugar daqueles avós, daquela mãe.

Mas essa busca por um culpado como se fosse papel da população?
Dra. Eluise: Diante de uma perda o ser humano tem a necessidade de encontrar um nome para o culpado. Ou foi o médico que fez uma cirurgia mal feita; ou Deus, se foi de causas naturais. E nesse caso eles enxergaram quem foi o culpado.

O sentimento da mãe pode ser alterado depois que ficar esclarecido quem matou a filha?
Dra. Eluise: Pode. A partir daí ela vai entrar em outra etapa [do luto], que é a do conforto, do consolo, da aceitação. Primeiro a pessoa nega, entra em estado de choque. Depois entra no segundo estágio que é a recuperação, é nessa hora que a pessoa pode deprimir. E o terceiro estágio é o entendimento e a aceitação. Essas são as três fases do luto.

E quanto tempo leva o luto?
Dra. Eluise: Mais ou menos um ano. Um caso como esse pode levar mais tempo.

A mãe vai participar da reconstituição. Isso não é mórbido?
Dra. Eluise: Isso vai ser bom pra ela, porque ela precisa de uma explicação. Ela precisa entender o momento. Porque ela quer justiça, quer a verdade. Pro ser humano, entender a verdade é fundamental.

Como fica a figura da madrasta diante de um caso desses?
Dra. Eluise: Pode colocar bem grande: Madrasta. Só nesta semana eu atendi no consultório três casos de crianças de pais separados que estavam com medo de serem mortas. Crianças que sempre tiveram um bom relacionamento com a madrasta.

E como os pais, madrastas e padrastos devem agir?
Dra. Eluise: Primeiro a conduta. Explicar que foi uma fatalidade, que são pessoas desestruturadas e expressar o amor deles pela criança. Dar segurança: nós estamos aqui, vamos te proteger. O pai junto à madrasta. Agora se escapar do controle dos pais, é preciso procurar orientação profissional.

Nós temos visto crimes bárbaros, medievais e o que choca é perceber que o ser humano é capaz de atrocidades. A divulgação desses casos estimula novos?
Dra. Eluise: Infelizmente sim. Não que isso vá acontecer de novo, mas mostra a verdade do ser humano, como ele é. O ser humano é em primeiro lugar, instinto. E é capaz de todas as atrocidades porque as pessoas estão muito doentes. A sociedade está doente.

E como reverter esse quadro?
Dra. Eluise: Aí sim a mídia podia atuar através de campanhas de prevenção, de boa conduta, mesmo que não tenha como foco a família, mas mostrar trabalhos pela paz. Tem tanta gente fazendo coisas bonitas. A mídia tinha que entrar nessa área, de esclarecimento, mostrar que não é normal uma pessoa nunca trabalhar, não é normal ter um relacionamento instável. Deveria adotar uma postura preventiva e não só instigadora. Porque é função, claro, colocar a notícia no ar, mas está sendo muito invasiva.

Essa cobertura excessiva do caso é muito danosa então?
Dra. Eluise: Claro, pois leva à saturação o que faz com que o caso se torne normal. A ferida tem que ser cicatrizada, mas a pessoa tem que deixar cicatrizar e se a mídia não pára de falar, essa ferida não cicatriza e vai sangrar.

É o que está acontecendo com a mãe?
Dra. Eluise: É.

O irmão de três anos, da Isabella, que possivelmente presenciou tudo, o que pode acontecer com ele?
Dra. Eluise: Ou essa criança vai sofrer de uma amnésia, um lapso de memória, que é o mais comum e o melhor que pode acontecer com ela. Ou essa criança está sofrendo calada e ai as conseqüência são imprevisíveis. Podendo inclusive se tornar um monstro, porque ela já tem a carga genética do pai e da mãe. Ou ela pode ser o contrário disso tudo. Pode ser os dois extremos. O mais comum é a dissociação, isto é, quando o trauma é muito grande, muito chocante, essas lembranças são apagadas da memória. É com isso que trabalha a EMDR.

Você falou de herança genética, ela influencia?
Dra. Eluise: Existe uma linha de tratamento que eu que eu até utilizo, que se chama Constelação Familiar, do alemão Bert Hellinger, que observa toda a estrutura familiar. Na família desse casal [pai e madrasta da Isabella] é possível que exista alguém com desvio de conduta. Então essa técnica observa a linha genética.

E o que significa a técnica EMDR?
Dra. Eluise: Eye Movement Desensitization and Reprocessing, sigla em inglês que significa Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares. É uma técnica específica para o tratamento, em poucas seções, de quem passou por algum trauma: perdas, perdas financeiras, acidentes, mortes. A EMDR é utilizada em casos, por exemplo, como o acidente com o avião da TAM. Ou grandes acidentes, grandes inundações. Quando existe um grupo a ser atendido. Nesses casos os integrantes do grupo da EMDR são acionados para atuar.

Como é esse trabalho? Quem aciona o profissional?
Dra. Eluise: Existe um grupo humanitário do qual eu faço parte, para atender número grande de pessoas atingidas por perdas de grande impacto. Quando há casos de grande proporção, os integrantes são convocados. Mas essa técnica também é muito boa para tratar vítimas de abusos sexual, emocional, que eram seqüelas que não tinham cura nem na psiquiatria nem na psicologia comum. Com a EMDR você reprocessa a dor.

Como é possível sobreviver depois de uma perda tão grande?
Dra. Eluise: Existe um termo utilizado por nós que é resiliência, que determina a forma como a pessoa reage ao trauma. São pessoas que passam por alguma tragédia e que conseguem sobreviver.

Então é a capacidade de sobreviver?
Dra. Eluise: Imagine uma almofada que afunda quando sentamos nela e quando levantamos, a almofada volta à sua forma normal. Então, a resiliência é a capacidade de sobreviver, de ter vida novamente, e às vezes com mais intensidade. Mas não são todas as pessoas que têm essa capacidade. Resiliência é o poder de superação.

Reparei que mãe foi assediada por pessoas que passaram por drama semelhante, isso sufoca ou ajuda na recuperação? Essa cobrança por um engajamento, ela está preparada?
Dra. Eluise: Ela ainda não está preparada pra isso, mas o contato com outros que passaram por situações semelhantes é uma das coisas boas. Isso é muito válido. Como o trabalho. Quanto mais preencher o tempo melhor, porque ela já está muito exposta. O engajamento suaviza uma dor que não tem nome. O filho que perde o pai é órfão, a mãe que perde o filho, não tem nome. É uma dor sem nome.

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