16 de mai. de 2008

Muvuca Federal

No dia 29 de abril a polícia federal realizou em Mato Grosso a Operação Termes com o objetivo de desmontar um esquema de liberação de cargas irregulares de madeira. Na operação foram presas 62 pessoas. Expirado o prazo da prisão temporária, 18 tiveram a prisão preventiva decretada e os outros foram soltos por falta de provas de envolvimento no esquema.
Um dos libertados foi José Marcondes, muito conhecido em Mato Grosso como Muvuca. Muvuca é irreverente, articulado, politicamente atuante e, apesar de termos opiniões políticas divergentes, mantemos um bom relacionamento. Já solto e de volta à ativa, conversei com Muvuca hoje pela manhã, queria saber como ele estava e entender o que foi a Operação Termes. Muvuca me enviou a carta que você lê abaixo, fiz questão de publicá-la na íntegra (com autorização dele, claro), pois é um relato emocionante que mostra o outro lado da Operação, o lado de quem se viu injustiçado. A carta longa, mas vale a leitura:

Adriana, foi assim:

A polícia federal me colocou grampo há praticamente 01 ano, e o serviço de inteligência da SEMA idem, e eu falo com todo mundo, até com poste, falava inclusive com a tal advogada que era suposta chefe da quadrilha ‘Dr. Silvana’(afinal não tinha nem um rótulo na testa dela dizendo que a moça era ‘o bicho’). Num dos dias em que eu estava de plantão ela me ligou e perguntou se eu havia apreendido algum caminhão de seus clientes, um tal de Zaqueo, eu disse que tinha pego 3 caminhões no dia mas não sabia precisar quais eram, e como servidor público, temos que prestar informações e orientações educadamente. Ela pediu que eu “segurasse os AUTOS” dos seus clientes, no que eu consenti – a questão é que segurar os autos, na linguagem administrativa que usamos, é entregar a primeira via ao proprietário do caminhão ou seu representante legal (com procuração) o que era o caso, pois ela era advogada de metade dos madeireiros de mato grosso ela tinha procuração para pegar a primeira via.
Então no primeiro momento a polícia federal deve ter entendido, equivocadamente, que “segurar auto” era alguma maracutaia. E na verdade não, é um procedimento corriqueiro de nós fiscais.
Agora vem a tragédia: a polícia interceptou uma ligação dela para o tal do Zaqueo, e na conversa estava ela falando que precisava de dinheiro, muito mais dinheiro, inclusive para pagar a parte do fiscal que tinha apreendido o caminhão, porque eu teria supostamente abaixado a multa de 6.500,00 para 1.200,00 reais (E esse foi o trecho que me incriminou)
Resultado, a polícia fechou um cerco, escarafunchou minha vida, colocou grampo - e essa gravação é de 6 meses atrás – mas não acharam nada, absolutamente nada a meu respeito, embora eles tivessem essa ligação da Dra. Silvana, insinuando que pagava o fiscal para baixar a multa. Então quando montaram o grande teatro da operação, lá fui eu, colocado no bolo como se fosse a cereja “Fiscal da SEMA envolvido na quadrilha que cometia crimes ambientais” – mas não tiveram o trabalho de levantar nos arquivos se eu realmente tinha baixado a multa.

DESESPERO – Em princípio eu fiquei sabendo por conta própria que meu nome estava relacionado e fui lá espontaneamente prestar depoimento, embora não sabendo do que se tratava, tinha a consciência tranqüila, plenamente.
Quando cheguei à PF era aquele espetáculo todo – pedi aos policiais que preservassem minha imagem e eles foram bacanas, me privando dos holofotes. Mas estava tudo armado, cheguei lá prestei depoimento e fui conduzido a Polinter, pois estava sumariamente decretada minha prisão cautelar pelo juiz Julier.
Não há explicações racionais para o sentimento de alguém que é preso inocentemente. Pensei tudo, cheguei a amarrar meu cinto na grade superior e tentei renunciar minha vida, mas a minha consciência disse que eu sairia por cima de tudo aquilo. Vivi o que chamam de desespero da inocência, estava incomunicável, nem com os próprios familiares podíamos falar. Ficava no canto da cadeia com os olhos estatelados, olhando pra minha vida, olhando pra tudo aquilo, e não conseguia pronunciar nenhuma palavra, pois não conseguia entender porque fizeram aquilo comigo.

Então comecei a escrever de lá de dentro, e uma semana depois publiquei um artigo no Diário de Cuiabá com o título “Não somos Vermes!”, onde atacava o juiz que me prendeu. Minha advogada tentou me convencer a não fazer aquilo, pois esse era perverso, sádico e podia me deixar preso por um bom tempo. Eu disse pra ela que pra mim não importava somente sair de lá, eu queria sair de cabeça erguida, pois nada devia, e que se ela não publicasse aquele manifesto eu trocaria de advogada, no que ela acabou cedendo.

...Enfim ficamos lá durante os 10 dias, 236 horas de horror, passei meu aniversário (02 de maio) na cadeia, comendo a comida do sistema, que inclusive deu diarréia em 99% dos presos. Ninguém aqui fora deve fazer idéia do que é estar lá. Eram noites frias e dias intermináveis. Foi uma crueldade inenarrável. Choro só de lembrar.

Mas aí passado os 10 dias de temporária, o ministério público pediu prisão preventiva de todo mundo, mas isso é normal, para um órgão cuja glória é condenar, apontar o dedo, não importa se culpados ou inocentes. E ao final do 10º dia eu saí, minha família estava na porta, abracei todos eles e fiquei olhando para o céu, sem saber se Deus tinha feito algo bom ou ruim comigo. Mas estava grato pela liberdade, o bem mais precioso que passei a ter.
Solto, procurei o arquivo da Sema para ver o tal auto de infração, e encontrei – ele leva o número 109140, foi produzido por mim no dia 29/10/2007 – acompanha meu relatório técnico nn° 685/SUAD/CFF/07, onde apliquei o valor máximo de multa (500,00) por metros cúbicos de madeira apreendida. Mesmo o decreto federal 3.179 de 21 de setembro de 1999 rezando que podemos aplicar de 100 a 500 reais. Eu poderia ter aplicado 100, 200, 300, 400, mas não, apliquei 500. Ergui aquele auto de infração na sala e gritei pra todo mundo “Olha só o que fizeram comigo” – e todos foram me abraçar. Estava provada minha inocência.

Porque, Adriana, fizeram isso???
Colocaram um monte de gente na cadeia, culpados e inocentes, gatos e cachorros, e chamaram a imprensa para exibir um troféu, como se tivessem desmontado a maior quadrilha de criminosos ambientais do planeta. Será que não foi pelo fiasco da operação Arco de Fogo, que até agora só deixou um rastro de desemprego e abuso de poder.
Da minha atuação – Sou tido como um fiscal linha dura, já apliquei em um ano mais multa do que a operação Arco de Fogo inteirinha (E olha que o governo federal gastou 1,8 milhões com a arco de fogo, e comigo apenas 25 mil de salário. Sou dos que enfrenta o mato para prender trator, motosserra, correntão, caminhão de tora, coleciono ameaças de morte por onde passo e aviso quando estou em alguma cidade, que se quiserem me matar que venham pela frente, e me matem com o crachá no peito, no cumprimento do meu dever.
Em função disso, de ter-me destacado como fiscal, fui escalado para ir pra região de Aripuanã, que abrange municípios violentos e problemáticos como Colniza, Juruena, Cotriguaçú, me deram a missão de levantar a bandeira contra o desmatamento na região. E vim na condição de diretor da Sema na região, exatamente para ter maior poder de fogo e articulação. Não sei se volto vivo para minha família, mas essa é minha luta, e dela não vou fugir.

Tenho muitos inimigos, principalmente os criminosos ambientais, já apliquei mais de 30 milhões em multa por todo esse estado, embarguei, interditei, apreendi, fiz o que se faz um fiscal, tenho sido um dos mais produtivos, sem ganhar mais por isso, só pelo amor a causa. E agora vou trabalhar também a conscientização ambiental, nas escolas, sindicatos, no campo, enfim. Vamos implantar um modelo de direção aqui onde o órgão ambiental é parceiro dos que querem produzir de maneira legal. E guerra declarada aos ilegais!
Isso é um pouco do que tenho pra dizer. Disse num bilhete escrito de lá da prisão, que o Clóvis Roberto leu no programa Cadeia Neles: “O que, no mundo, pode reparar esse dano cometido por esse equívoco da polícia???”

Eu ainda não tenho essa resposta, mas enquanto isso, sigo minha caminhada. Creio que logo terei o sorriso no rosto novamente, mas mesmo abalado, isso só veio a reforçar em mim a convicção ética e moral, e o amor que tenho pelo que faço.
Blairo não caiu no cômodo de ter me exonerado pra limpar o nome do governo. Somente Deus pode ter iluminado a cabeça dele neste momento (e se vc por um momento considerasse essa atitude dele e escrever isso, vc estará fazendo pra mim o maior favor que eu poderia imaginar), pois não saberia viver com duas injustiças. Então ele me ouviu, procurou informações e descobriu que fui mais uma vítima do sistema implantado onde se prende para colher provas. Dessa vez quebraram a cara, porque prenderam um inocente.

Peço a Deus todos os dias da minha vida, que não me deixe cair em tentação. E ele me ajudou, nunca caí em tentação, sou pobre e vou morrer pobre. Deus só não me ajudou mais porque não conseguiu marcar audiência com o todo-poderoso Julier Sebastião da Silva.
Pedi a Deus também que meus verdadeiros amigos não me abandonassem. E estou muito feliz por você ter me dado atenção.

7 comentários:

ma gu disse...

Alô, Adriana.

Esta é a vantagem de um blog, on line, onde se pode manejar as notícias de forma muito rápida.
Sempre é bom poder ver o outro lado das coisas, principalmente quando o articulista conhece o objeto da notícia e acredita no que é exposto.

Anônimo disse...

Imaginem quantos inocentes estão sendo injustiçadamente presos para que esse povo mostre serviço.
Alexandre

Anônimo disse...

conheço o muvuca, ele tem um carro com 10 anos de uso e um apartamento no paiaguás. ele fala que só tem o dia pra trabalhar e a noite pra dormir. Ele tem algo mais: caráter.

Que isto sirva de exemplo para tantas injustiças que ocorrem por aqui, para que elas não aconteçam mais.

Valeu Muvuca, você é o nosso herói. fique firme, e na luta, Deus abençoe

Anônimo disse...

Adriana, parabéns por mais esta. Esse relato é de arrepiar, é a terceira vez que leio e a terceira vez que choro. Não quero que uma coisa dessas aconteça com nenhum inimigo.

(Fernanda)

Anônimo disse...

Adriana, parabéns por mais esta. Esse relato é de arrepiar, é a terceira vez que leio e a terceira vez que choro. Não quero que uma coisa dessas aconteça com nenhum inimigo.

(Fernanda)

Chacon disse...

Adriana e amigos, não conheço o Muvuca (claro), mas se observarmos bem, podemos chegar à um.. palpite, uma opinião, que é claro podemos incorrer em um risco grave, mas já o julgaram praticamente sem provas, aqui vai: se a justiça do mato grosso se deixou comprar pelo governo, pq não se deixaria pelas madeireiras? Se ele é, como diz: "linha dura" quem mais seria alvo,quem mais gostariam de ter longe? Só isso, pensem um pouco nisso, acho que falei o óbvio, mas tá ai. Não confio na justiça e não confio muito nas polícias. Uma vez uma delegacia aqui de São Paulo quase que ajudouy a uma estelionatária a roubar de mim um carro de maneira legal, já viram alguém rouber um carro de maneira legal? Pois é e ainda quase me bateram na delegacia (tomei um sopapo no obro, sorte que o investigador tava armado) esse é o nosso Brasilsão, acham que quero vltar? Quero tirar o resto da minha família daí, sorte ao Muvuca, eu dele montaria uma ONG, já que ele é conecedo desse tema, capitaria dinheiro par viver do próprio governo e lutaria contra a injustiça, desmatamento e tudo mais, e se é uma pessoa comodizem de carater integro ( e acredito nisso) e é uma pessoa respeitada, todos vão estar ao seu lado. Sort Muvuca!!!!!!

Anônimo disse...

chocante!!!