25 de mai. de 2008

O Catão Brasileiro

Por Eduardo Mahon

Morreu o derradeiro Catão. O senador Jéferson Péres era o meu Catão repaginado. Coincidentemente, Marco Pórcio Catão, o Velho, era também um estadista. Cônsul e censor da República Romana, tinha como principal objetivo expulsar as tendências extravagantes que penetravam na sociedade da época, face à expansão republicana. Militar de grande disciplina pautou a vida pela extremada severidade no trato da educação para juventude, inculcando valores intransigentes sobre o sistema republicano, a divisão de poderes, a ética e moral do cidadão romano. Não transigia com a fé, chegando a expulsar pensadores que tentavam relativizar a religião em uso.
Não foi diferente com o bisneto Catão, o jovem. Partidário de uma inflexibilidade moral era radicalmente contrário às pretensões centralizadoras de Júlio César, o que esgarçaria o equilíbrio de poderes, descambando para a guerra civil e, depois, para a instituição do Império. Catão, o jovem, guardava oposição frontal à prática do suborno, método ordinário de relação do público com o privado naqueles tempos. Lamentavelmente, não apenas naqueles tempos. A degeneração romana iria extinguir a raça dos Catões e a degeneração brasileira extinguiu a estirpe de homens públicos como Jéferson Péres.
Os tempos de vulgaridade fazem dos personagens de grande envergadura caricaturas de si mesmas. Esse era o ressentimento de Jéferson Péres e, com o dele, o nosso. Os discursos de denúncia, de inconformismo, de irresignação, em tempos outros fariam corar rostos, esconderem-se de vergonha, renunciar mandatos, abalando o poder republicano. Ao contrário, na lassidão moral, as palavras do Catão brasileiro eram curiosos artigos de um passado romântico, de idealismo idílico. Portanto, aquele animal político em extinção era, digamos assim, mantido vivo como num zoológico de curiosidades. Era uma aberração genética pela originalidade ética.
Morreu o último Catão brasileiro. Aquele que ainda ousava citar Ruy Barbosa sem se envergonhar de si mesmo: “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. E foi-se com ele o último suspiro do pundonor que ainda mantinha o paciente terminal com a nesga de esperança por uma revolução desarmada, por um passo a mais no credo institucional republicano.
Foi velado Jéferson Péres. Importa quem faltou a esse cortejo. Não compareceu o Presidente da República. E nem poderia. Às bordas do féretro do último Catão brasileiro, não há poleiro para uma ave de rapina. As exéquias de Jéferson Péres seriam também as exéquias do Presidente da República que certamente, vis a vis com o passado e com a coerência, choraria mais por si mesmo do que pelo corpo inerte ali jazendo. Nosso supremo mandatário guarda-se da vergonha de ombrear-se com pequenos homens que o fazem passar por debaixo das duas próprias estaturas éticas, arrastando-se em justificativas, lamentos e traições.
Mesmo Júlio César, ensangüentado das facadas desferidas, estatelado o corpo no Senado da República, não foi velado pelos traidores. Pitoresca história; cruel distorção. Os traidores de então se julgavam os salvadores da democracia romana. Ainda assim, o testamento de César selou a sorte de um Brutus, de um Cássio e, futuramente, de um Cícero. É que a culpa cobra pesados juros dos culpados; o crime, dos criminosos; a imoralidade, dos imorais. A sombra quer afastar-se da luz, assim como o libertino foge do convívio do honesto, tapando os ouvidos, torcendo a boca, fechando os olhos, fazendo troça para ridicularizar o que é motivo de constrangimento pessoal.
Foi assim Jéferson Péres no Senado. Foi assim a sua candidatura de pigmeu contra um gigante Renan Calheiros. Foi assim enfrentando um Jader Barbalho, um Fernando Collor, um Antônio Carlos Magalhães, ciclopes do poder: caolhos, mas com aquela massa adiposa que sufoca os demais. Era assim pequeno o nosso Catão, um exército de um homem só. Será pequeno o seu ataúde, sua lembrança, suas palavras, sua postura serão esquecidos. O esquecimento faz parte do quotidiano do poder.
Morreu o último Catão brasileiro. Resta uma ironia funesta. Morremos todos nós com ele, enterrados que estamos vivos, nessa lama política na qual não conseguimos respirar. E Jéferson Péres, livre, limpo e morto, agora ainda não consegue se rir de tudo isso, lamentando-se por nós, pelos que ficaram conosco e, sobretudo, pelos que faltaram acompanhá-lo ao jazigo, visitá-lo no esquife, e ir consigo, na mesma tumba.

4 comentários:

ma gu disse...

Alô, Adriana.

Terei o prazer de ser o primeiro (acho) a parabenizar esse advogado que honra seu título. Dificilmente se verá epitáfio mais honroso que este, para um homem que o mereceu, com todas as vírgulas e pontos.
Se honra houvesse, um pouco pelo menos, deveria ser inscrita nos anais do congresso. Solicito a Adriana que o envie a algum parlamentar do PSDB que possa ler esta bela obra em plenário, se algum houver com colhões para a empreitada...

Anônimo disse...

Magoo, também achei magnífica a matéria do Eduardo.
Catão de Útica.
Mas Magoo, dentro do meu ceticismo, acho que nem o FHC, com overdose de diplomas,faria referência do senador Peres, com Catão, pelo simples fato que ele e o partido estão do lado do Julio César.Lado contrário onde o homem de Útica militava.O intelectual barroco deve conhecer a frase, "Os Romanos tinham um célebre dito a respeito desta curiosa personagem: "A causa vencedora apraz aos Deuses; a vencida a Catão"."
Catão se suicidou para não se render a César e o faria pela segunda vez.
Existe uma crise de testículos!

Anônimo disse...

Perdemos um Grande Homem!!!!!
Senador Jefferson, Brasil chora a sua perda e pode ter certeza que não será em vão a sua postura!!!!
Catão bisneto em sua Juventude, enfretou Cesar!! Com sua valentia e inflexilibidade moral!! Pode ter certeza que Mato Grosso terá muito orgulho de representar uma nova vertente de homens honrados e inflexiveis com praticas injustas que não veêm ao encontro da democracia!!!!!
Saudações Socialista e Brizolista!!!!

ma gu disse...

Alô, Adriana

Caracas! O blog está aberto a todos, presumo. A dona é amiga mas, é do PSDB. Aí, caiu a minha fichinha: Plin!
Partido da Social Democracia do Brasil. Então, o comentário semi-sarcástico que eu iria fazer, em virtude do final do comentário anônimo, dançou bonito. Cabem, então, as expressões pasquinianas:
Putz, mifu...