21 de mai. de 2008

A volta do velho oeste

Ralph J. Hofmann

Na década de sessenta eu tinha um colega de aula que era oriundo do Paraná. Sua família gravitava entre Rolândia e Arapongas. Indubitavelmente seu pai era um homem corajoso. Era suboficial aposentado por invalidez decorrente de ferimentos ocorridos em serviço na Marinha do Brasil durante a Segunda Guerra.
Num dos períodos de férias meu amigo acompanhou o pai ao Oeste do Paraná para verificar os negócios de uma fazenda que tinham na região. Antes instruiu o filho: - Não reaja nunca a nenhuma provocação. Nem que chamem tua mãe de prostituta fique firme e calada. Lá eles resolvem tudo com armas, e normalmente atiram para matar.
Ocasionalmente ouvia contar casos de verdadeiras guerras entre famílias no Rio Grande do Sul, ocorridas em épocas tão recentes quanto as décadas de cinqüenta e sessenta.
O tempo passou e o Sul do Brasil passou a ser uma região bastante civilizada. Havia incidentes, mas não havia guerras regionais abertas. Políticos passaram a se vituperar na tribuna mas conseguiam conviver como cavalheiros na vida particular.
Hoje vemos que a tessitura de civilização está ficando puída, suas fibras estão se rompendo sob as tensões a que estão submetidas. Estamos nos aproximando novamente à época em que a justiça pessoal só era conquistada pela competência das armas.
Na era medieval era comum decidirem-se causas pelas armas. Um cavalheiro tinha uma pendência com outro. A justiça, o direito de propriedade, o ataque moral eram decididos por paladinos de armadura, lança e espada nas justas. O vencedor ou o sobrevivente era considerado detentor da razão. O rei ou senhor feudal ratificava essa vitória.
Pelos séculos, apesar de finalmente abandonada pelos reis e governadores, a justiça pelas armas solidificou-se o conceito do duelo, coisa independente do sistema jurídico, mas que, se levada a cabo com o devido ritual não atraia a ira das autoridades. Naturalmente a justiça ficava a ver navios. E as inimizades só tendiam a se perpetuar. Joseph Conrad em seu conto “O Duelo” descreve um pequeno incidente entre dois oficiais de Napoleão que se enfrentam repetidamente em duelos entre 1801 e 1816. Os duelos não resolviam nada. Não amainavam as iras. Contudo tornaram-se incidentes raros, condenados pela sociedade à medida que se estabeleciam sistemas legais, policiais e processos de enquadramento nos valores das sociedades, seja através de constituições, seja através de usos e costumes registrados como jurisprudência.
Mas houve lugares, na linha de frente do avanço da civilização ocidental em que a lei ficava uma ou duas gerações atrás da marcha sobre áreas inexploradas, em que ocorria uma reversão do progresso.
O Congo Belga, propriedade pessoal do intragável Rei Leopold da Bélgica foi um destes lugares. Inspirou “Heart of Darkness” também de Joseph Conrad base para o filme "Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola foi um destes lugares, em que o verniz da cultura ocidental foi abandonado completamente da sua criação em 1901 até deixar-se feudo pessoal do monarca por volta de 1908.
Mas antes disto, no avanço para o Oeste, particularmente nos anos imediatamente posteriores à Guerra Civil Americana, finda em 1865 surgiram comunidades que estavam extremamente distantes da lei e da ordem. Esta ainda que precária acabava na altura de Saint Joseph no Missouri. A Oeste dali era necessário saber manejar armas para defender seu lar. Havia leis federais que definiam o direito de propriedade mas não havia quem administrasse as leis. E entre os andarilhos, garimpeiros falidos, caubóis desempregados e ex-soldados havia quem preferisse organizar quadrilhas para assaltar bancos, grilar terras, corromper autoridades locais, assumir governos locais para dominar as populações.
Isto ocorreu ao mesmo tampo em que lentamente nos estados a Leste do Mississipi as instituições lentamente se aperfeiçoavam.
Contudo jamais foi discutido o direito da população se defender contra o exército de foras-da-lei que os acossava. Num período de quarenta ou cinqüenta anos a população em geral, armada, ou contratando seus xerifes e delegados, conseguiu criar uma sociedade em que o nível de criminalidade se reduziu. Ainda havia e há crime e criminosos, mas são desvios de comportamento.
Isto nos traz ao momento em que um rizicultor chamado Paulo Cezar Quartiero é preso por estocar as armas necessárias à defesa da terra que colocou em produção encorajado por um governo anterior e é criticado por um Tarso Genro, que automaticamente critica os agricultores e pecuaristas que tenham a, segundo sua visão, “empáfia” de defender-se contra invasões e armar-se para isto.
O Brasil todo hoje se assemelha aos territórios a Oeste do Mississipi do século dezenove. As leis relativas à propriedade, seja de terras, seja dos impostos arrecadados pelo governo são solenemente ignoradas e desprezadas. Os direitos de pagadores de impostos não contam. Os desejos de autoridades corruptas se sobrepõem à lei.
No entanto quando se ignora as leis que nos defenderiam contra invasores repetitivos de terras, ataques contra a propriedade e o saque dos tesouros dos diversos níveis de governo, federal, estaduais e municipais se trata de cercear quem queira, pegar em armas contra que invada sua propriedade e seus direitos.
Na verdade preciso lembrar mais uma obra de ficção: “Sete Samurais” de Akira Kurosawa. Será que sete samurais seriam o suficiente para limpar o país? Teriam sequer oportunidade. Estou imaginando os sete samurais desembarcando e sendo prontamente aliviados de suas “katanas” que seriam entregues aos guarda-costas de algum ministro ou secretário corrupto.

3 comentários:

Anônimo disse...

Excelente análise, como sempre, do Ralph que, na minha cabeça faz um contraponto com o artigo de Jabor ontem no Estadão, clamando por um pouco de etiqueta e boas maneiras dos corruptos. A corrupção pé-de-chinelo do governo do molusco está dando asco, sem defesa, sem Justiça, sem "finesse" na roubalheira, que fere a nossa inteligência. O Ministro da Justiça, ex-trotskista rancoroso até os dias de hoje, aliás como Dilma, é o responsável por esses desmandos relatados por Ralph.

ma gu disse...

Alô, Ralph.

Em primeiro lugar, deixe-me desejar feliz retorno para a Rô. Estava fazendo falta...

Ótimo seu post, espanando a poeira da História e colocando-a a serviço da modernidade que, pelo visto, não temos nenhuma. É bem essa volta ao passado, porque nossas 'otoridades' vivem no passado, e não saberiam lidar com a situação presente. Então, nós, que conhecemos algo de História, vamos ver esse filme de novo. Fico triste por você, com seu sentimento sulista, ver esse sacripanta, energúmeno, que ocupa uma cadeira ministerial importante, desonrar o sentimento de honra que existe lá nos pagos...

Ralph J. Hofmann disse...

Pior do que isto! Te dás conta que o Marco Aurélio Topitopi já era odiado aqui nos anos sessenta? Temos a vergonha de ter doado essa figura "ne-kulturny" (citando os comunas russos), ao mundo.