22 de mar. de 2007

A porteira está aberta

Após o descaso e pouca reação do governo brasileiro no caso da desapropriação dos bens da Petrobras na Bolívia, parece que está querendo virar moda.
Argentina ameaça rever concessões à Petrobras

BRUNO LIMA
da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

O governo argentino reagiu duramente a críticas do presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, ao sistema de controle de preços do país vizinho e ameaçou reavaliar as concessões de petróleo e gás natural da companhia. Anteontem, o executivo da estatal disse que o sistema que não permite reajustar os preços dos combustíveis "não estimula muitos investimentos" na Argentina.

A resposta veio ontem do ministro do Planejamento, Julio de Vido, homem forte do presidente Néstor Kirchner. "Não vamos permitir que o presidente de uma empresa estrangeira, que, neste caso, é do Estado brasileiro, venha a opinar sobre as políticas soberanas que a Argentina aplica", afirmou o ministro, que se disse "muito aborrecido" com as declarações.

"De nenhum modo iríamos sugerir que [o presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva] tenha uma determinada política de preços", disse De Vido antes de embarcar para o Equador, em visita oficial comandada pela primeira-dama, Cristina Fernández de Kirchner, virtual candidata à Casa Rosada.

"As opiniões do senhor Gabrielli são inapropriadas para uma empresa que é só uma concessionária. Essas empresas têm obrigação de investir sem nenhuma condição prévia e não vamos permitir que venham a opinar e condicionar investimentos", complementou. "O que esses senhores querem é fazer-nos pagar o petróleo como em outros países. Em relação aos investimentos, vamos fazer cumprir com rigor as obrigações das empresas."

De Vido também telefonou para o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Mauro Vieira, para reclamar da atitude de Gabrielli. O ministro registrou "a surpresa" e "o mais profundo desagrado" do governo com as declarações sobre um tema "de política interna argentina".

Apesar do imbróglio diplomático, em nota divulgada às 20h de ontem pela subsidiária argentina da Petrobras, a empresa não pediu desculpas ao governo Kirchner. "O presidente Gabrielli entende que suas declarações, publicadas pela imprensa argentina, foram interpretadas de forma equivocada e em nenhum momento sinalizou uma redução de investimentos na Argentina ou descumprimento de compromissos assumidos, nem mesmo deixar de cumprir com as políticas internas legitimamente estabelecidas pelo governo argentino", diz a nota.

A Petrobras também reafirmou o plano de investir US$ 2,3 bilhões na Argentina até 2011.

Crise energética.

A fala de Gabrielli externou um sentimento que é de todas as empresas que operam no setor energético na Argentina.

O presidente Kirchner, que se recusa a permitir aumentos de combustível, também já entrou em confronto com empresas como Shell e Esso. O clima é tenso, e o governo chegou a desencavar uma lei dos anos 70 para ameaçar com multas e prisão de executivos as empresas que não investem. Também há ameaças de cortar concessões.

Especialistas do setor energético afirmam que a Argentina enfrenta escassez de combustíveis porque as companhias petroleiras se sentiram desestimuladas a produzir e reduziram investimentos. Assim, a demanda segue crescendo sem ser acompanhada pela oferta.

A relação entre Petrobras e governo já passa por momento complicado. Em fevereiro, o governo vetou um negócio de US$ 54 milhões entre a brasileira e o fundo americano Eton Park --a venda pela Petrobras do controle da empresa Transener (transporte de energia).

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