30 de abr. de 2007

Um plebiscito para o aborto?

"Deve haver plebiscito para decidir a legalização do aborto no Brasil?" Foi o que perguntou a Folha de São Paulo ao Dr. Cícero Harada e como resposta: NÃO.
Veja abaixo o artigo do Dr. Cícero, publicado na Folha de SP (21/04/2007).

Holocausto de inocentes
Por Cícero Harada - advogado, procurador do Estado de São Paulo, é presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia e conselheiro da OAB.

SONHOS há que são pura poesia, outros, tornam-se pesadelos, dizia Jung. Num mundo em que os devaneios tecnológicos nos embalam, somos tomados por um pesadelo: discutir o procedimento para interceptar a vida do nascituro.
O aborto, diz o Código Penal, é um crime contra a vida. Almeja-se, com a sua liberação, que se transforme num direito reprodutivo da mulher, possibilitando que se promova, numa suave expressão, "a interrupção voluntária da gravidez", que não deixa de ser, para o nascituro, a condenação à pena capital. A sua legalização será uma privatização da pena de morte.
Luto para que os institutos da democracia direta, entre eles o plebiscito, em questões de relevo, sejam desbloqueados, possibilitando maior participação direta do povo. Não obstante, no caso do aborto, estamos diante de clara ofensa à vida do nascituro. O art. 2º do Código Civil prescreve que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro e o mais fundamental é o direito à vida, sem o qual perecem os demais.
Karl Ernest Von Baer, "pai da embriologia moderna", desde 1827, com o aumento da sensibilidade do microscópio, pôde ver o óvulo e o espermatozóide, assentando que o início da vida está na concepção. Sei que se deseja convencionar, por diversas razões de cunho utilitarista, que a vida não comece na concepção, mas que fique cada vez mais longe dela.
Sei que se pretende criar ficção jurídica para que em tal ou qual período da vida do nascituro não haja vida, na tentativa de escapar do debate a respeito desse direito fundamental. Sei que pseudo-iluministas agarrar-se-ão a Santo Tomás de Aquino, como a uma tábua de salvação, a dizer que para o Aquinate a vida começava no quadragésimo dia.
Não sei se essa era a sua opinião, mas o Doutor Angélico, no século 13, não dispunha de um ultra-som 4 D, para acompanhar o desenvolvimento do ser humano da concepção ao nascimento, em tempo real, em movimento, em terceira dimensão, em cores e imagens de alta definição.
A Constituição, no artigo 5º, declara a inviolabilidade do direito à vida, isto é, do direito de existir, de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea. Todos nós fomos concebidos um dia e, se, em qualquer momento posterior, tivéssemos sido abortados, não existiríamos hoje. Naquele instante, todos os nossos direitos teriam sido, sem culpa e sem defesa, definitivamente aniquilados, da maneira mais radical e cruel.
O aborto constitui violação do direito à vida do nascituro, afronta o direito fundamental intangível, cláusula pétrea. Tal como a pena de morte, sua legalização não pode ser objeto nem de emenda constitucional (CF art. 60, º 4º, IV), nem de lei ordinária, não importando se por via direta (plebiscito, referendo), se por intermédio dos representantes do povo.
A questão primeira, portanto, a ser redargüida não é a de se dever ou não promover um plebiscito dessa natureza, mas, nos termos da Constituição, de se poder ou não realizá-lo. Não. É como respondo. Objetar-me-ão que o poder constituinte originário é permanente e tudo pode. Se a manifestação popular direta, nos plebiscitos, é expressão do poder originário, ela não encontra limite nas cláusulas pétreas. E eu lhes direi que, em se tratando do direito fundamental à vida, isso é impossível.
Há valores que uma nação não pode espezinhar, sob pena de responsabilizar-se perante Deus, a história e a humanidade pela insanidade perpetrada. "Não matar!" Eis o mandamento, o imperativo categórico, que o modismo do estado laico germânico de então resolveu desafiar.
Cícero (106-43 a.C.) já ensinava: se a vontade dos povos, os decretos dos chefes, as sentenças dos juízes, constituíssem o direito, então para criar o direito ao latrocínio, ao adultério, à falsificação dos testamentos, seria bastante que tais modos de agir tivessem o beneplácito da sociedade (...) por que motivo a lei, podendo transformar uma injúria num direito, não poderia converter o mal num bem? É que, para distinguir as leis boas das más, outra norma não temos que não a da natureza.
Não é preciso dizer que o aborto é uma espécie de holocausto de inocentes. Será que deveríamos discutir também como legalizar os mensalões, os sanguessugas, o narcotráfico, o holocausto?

Um comentário:

Anônimo disse...

Acho muito fácil um homem falar esse monte de besteira. Por acaso o Estado dá suporte a uma mãe que não planejou o filho e mesmo assim engravidou e não tem condições de criá-lo? Ah, sim, claro - o Estado disponibiliza grandes verbas para a eduação e não há na população do país uma pessoa que não conheça pelo menos 5 métodos anticoncepcionais. E que não tenha acesso facílimo aos mesmos.
Acho ridículo esse papinho de direito do feto. Tornando o aborto proibido, dá-se a ele o direito divino de passar fome, ou nascer doente, ou já viciado. Aposto que todos esses nasciturnos agradeceriam os heróis que defendem seu direito de sofrerem. É muito fácil negar a uma mulher que não tem como se sustentar o direito de não querer sustentar um dependente, com o argumento imbecil de "fez, agora se vira". Entretanto existem milhares de mulheres que engravidam e são abandonadas pelo pai da criança, e arcam sozinhas com o pesado ônus de cuidar da criança. Acontece que é fato que morrem 100 mil mulheres por ano em virtude de abortos clandestinos. Eu duvido que qualquer uma delas tenha tomando a decisão de cometer um aborto levianamente, mesmo se fosse permitido e logo, seguro e com condições de higiene, seria uma decisão difícil a ser tomada. As mulheres que enfrentam um aborto clandestino o fazem por puro desespero, por não terem apoio da família, às vezes não terem família, e muito menos o apoio do pai da criança. Por que aos homens é dado o direito de "engravidar", não achar isso uma boa idéia e simplesmente recomeçar como se nada tivesse acontecido, e não às mulheres? Uma mulher que abandona um filho na porta de um orfanato por não ter condições de criá-lo é uma monstra horrível, e um homem que abandona uma mulher grávida e desempregada, e sem prespectivas porque se sabe que o mercado de trabalho já é pior para as mulheres, e ainda por cima se estiver grávida tem chance inferior a zero de trabalhar; é o que? Não é um monstro? Com certeza não é punido.
Ridícula toda essa defesa ao "direito do feto". Direito de ser mendigo, de passar fome, de morrer em consequência da violência ou do aquecimento global, isso sim. Pimenta no dos outros é refresco! Odeio esse moralismo hipócrita.