25 de jun. de 2007

Um Centenário a Comemorar

Enquanto acendiam-se as fogueiras de São João, em Conceição, pequena cidade da Paraíba às margens do rio Piancó, nascia um menino que recebeu na pia batismal o nome de José de Lima Siqueira.
Ontem comemorou-se seu centenário de nascimento, em vida encontrou fama internacional na música erudita como Maestro José Siqueira (foto)
Foi professor de Harmonia da Escola de Música do Instituto Nacional de Música da UFRJ. Membro fundador da Academia Brasileira de Música e da Academia Brasileira de Artes.
Regente e compositor reconhecido a nível internacional, regeu nos Estados Unidos grandes orquestras como a Sinfônica de Filadélfia, Detroit, Rochester. Na França, a orquestra da rádio de Paris; e em Roma, a Sinfônica de Roma entre outras
Também regeu a Orquestra Filarmônica de Moscou, onde participou como júri de grandes concursos internacionais.
Deve-se a ele a criação da Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica de Rio de Janeiro, Orquestra Sinfônica Nacional, Orquestra de Câmara do Brasil, Sociedade Artística Internacional, o Clube do Disco e a Ordem dos Músicos do Brasil .
De José Siqueira, falecido em 1985, há uma história engraçada. Pelo fato de ter muita ligação com os paises do Leste Europeu, durante o regime militar foi inquirido pelo serviço de informações sob suspeitas de ser comunista, mas negou o fato, não satisfeito o inquisidor então perguntou-lhe porque viajava tanto para a União Soviética.
- Olhe, eu também vou com muita freqüência aos cemitérios e não é por isso que estou morto. – dessa forma encerrando o assunto.
Nesse centenário sua única descendente, Mirella Siqueira, escreve com exclusividade para P&P, as lembranças do avô. (G.S.)

As lembranças que tenho de meu avô?
Por Mirella Siqueira

Agora pensando bem sobre o assunto, percebo que aquilo que até agora acreditava serem minhas primeiras lembranças, não são as minhas, são as que me foram contadas.
Claro que não posso lembrar que meu avô enquanto compunha ao piano, me embalava no carrinho usando para isso o pé. Não posso também lembrar que o acalanto era de sua autoria, com letra de Manoel Bandeira. Como posso lembrar da primeira vez que fui ao Teatro Municipal para assistir um concerto seu, se eu tinha apenas três anos?. Como disse são lembranças que não me pertencem, me foram contadas e os adultos, esquecidos de suas próprias lembranças infantis, passam a não entender mais as das crianças.
Agora, sentada num quiosque do calçadão a avenida Atlântica, lembro muito bem as caminhadas que fazíamos aqui, ele encontrava com um monte de outros avôs e com um sorriso, que só eles sabem fazer, dizia: - Está e minha neta.
A sua casa era uma festa, minha avó era cantora lírica, meu pai também tocava piano, encenávamos as histórias com fundo musical composto na hora. A que eu mais gostava era Chapeuzinho Vermelho; eu a própria, minha avó no seu papel, meu pai o Lobo Mau e meu avô o caçador que salvava as duas.
Ele também me contava muito do seu nordeste natal,
do sertão, de suas viagens ao exterior, um pequeno acontecimento virava na sua forma de narrar uma história surpreendente.
Em sua casa tive meu primeiro deslumbramento, o piano de ½ cauda, queria aprender a tocá-lo, mas não foi bem assim, por “livre e espontânea pressão” de minha avó, comecei a estudar canto, mas eu queria o piano, nada disso e tome de solfejos. Como não tinha piano na minha casa, resolvi estudar flauta doce. Quando meu avô soube do fato indignou-se e com seu sotaque paraibano me disse: - Só tenho uma neta, essa uma resolve aprender a tocar “pife”.
Ele também foi o responsável pelo segundo deslumbramento de minha vida, trouxe-me da Rússia um pequeno leão de pelúcia. Tornou-se meu amigo secreto, pus-lhe o nome de Seu Leão. Nos reuníamos em meu quarto, lhe contava as histórias de seu país que me tinham sido contadas por meu avô, dentro da minha imaginação comíamos caviar e tomávamos vodka, produtos que ele sempre trazia de suas viagens.
Tinha também sua casa em Filgueiras, no litoral Sul Fluminense, junto a Mangaratiba. Nos fundos ele havia transportado um pedaço do nordeste. Tinha macaxeira, jerimum, manga, caju, foi aí que descobri que furtas e legumes não nasciam em supermercado.
De seu acalanto, os maestros Jonas Travassos e Leonardo Bruno fizeram um arranjo e foi a música com a qual homenageei o meu avô maestro, na igreja do de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, em 1997. São 21 anos
que ele não está mais, quando se foi eu tinha somente treze anos. O voltar a estas lembranças me fez ver que as coisas não eram deslumbrantes, deslumbrante era meu avô, que emprestava algo de seu brilho, de sua intensa luz própria ao piano de ½ cauda e ao Seu Leão."

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