1 de ago. de 2007

Bernardinho e o último desastre nacional

Por Alfredo Guarischi, médico, RJ

Novamente uma medalha de ouro do vôlei. O técnico Bernardinho foi o comandante. O povo brasileiro pode cantar emocionadamente o hino nacional. A medalha de ouro está em nosso peito.
Não perdemos um set sequer, pois nós também jogamos. Ganhamos o Pan sem o melhor jogador da Liga Mundial; pois Ricardinho foi barrado pelo comandante em chefe. A imprensa não deixou de noticiar, entrevistar e discutir a barração do melhor jogador da Liga, vencida alguns dias antes. O melhor levantador do mundo, voltava de mais uma jornada vitoriosa e consagrado como o melhor jogador.
Dias antes do início da competição, na qual o Brasil sonhava em dar a volta por cima, Bernardinho - o chefe - decidiu barrar o capitão e porta-voz do time campeão, por não aceitar sua postura, independente da versão ou de envolver (ou não) questões financeiras. O levantador no vôlei é a alma do time. Ricardinho, amigo íntimo de Giba (o grande atacante) e extremamente querido pelos companheiros, estava barrado.
Não era apenas um título que faltava. Era o título nunca conquistado em nossa terra e a grande oportunidade de conquistá-la no Maracanazinho, aonde a geração do ex-jogador Bernardinho começou a trilhar esta bela caminhada do vôlei brasileiro.
Ao efetivar o filho, convocado em outras oportunidades e eleito o melhor levantador da Liga Nacional, não faltaram perguntas e acusações de nepotismo e autoritarismo. Acho até que, para alguns, a possibilidade da perda do Pan justificaria Bernardinho voltar atrás, deixar o filho em sua casa e chamar Ricardinho de volta. Mas o comandante, com autoridade, manteve sua posição firme e Ricardinho teve que pegar a mala e ir para casa. Quanto sofreu o técnico para tomar esta decisão?
Final da história: Brasil campeão de vôlei do Pan. Marcelinho, o reserva, foi excepcional e Bruno, o substituto do reserva e filho do chefe, cumpriu seu papel. Giba, em entrevista após o último jogo, disse que esperava que Ricardinho procurasse voltar para seleção (... procurar voltar em vez de ficar vendo TV em casa...).
Bernardinho assistiu em silêncio a entrega das medalhas num canto da quadra com a filha menor no colo. Após a cerimônia, em entrevista, demonstrou sua índole de reconciliador, mas que não era utopia lutar para preservar o espírito de grupo conquistado. Imagino que quisesse dizer que a vontade pessoal é menos importante do que o bem coletivo. Um verdadeiro chefe.
Bernardinho, que descreve em seu excelente livro como transformar suor em ouro, agora nos ensina como transformou suas lágrimas em alegria. Como comandante cumpriu sua missão: o time que selecionou e convocou venceu, mesmo barrando o amigo de todos, capitão do time e melhor jogador do mundo.
Em 2007 o Brasil atingiu importantes indicadores econômicos, uma parcela da população usufrui benefícios especiais, mas a violência, a carga tributária, o ensino e a saúde continuam sendo um problema sério para todo país. Quantas mais tragédias aéreas ou desmandos terrestres precisarão ocorrer? A classe política deveria aprender um pouco com o significado das atitudes do Bernardinho. Diferentemente de competições esportivas não existe revanche que devolva vidas perdidas.
Nunca neste país houve tanta falta de administradores com pulso, autoridade e vencedores. Em algumas esferas da administração pública não temos homens sérios e craques como Ricardinho, portanto é muito mais fácil demitir sem reconciliação os desonestos, os incompetentes, os preguiçosos ou os omissos. Algumas autoridades deveriam renunciar, pois seria um ato de grandeza e não de covardia. Ao insistir em continuar, pois por razões legais não podem ser demitidas, acabam deixando transparecer algo pior. Montar uma equipe de alto nível com excelentes jogadores só é possível com um programa de longo prazo e a convocação de um amigo ou parente, deve ser sempre técnica. Bernardinho convocou o filho de modo claro e público, não deixando de responder - de frente – a qualquer pergunta a respeito.
Ao escolher um colaborador os pontos mais importantes deveriam ser: competência, ética e comprometimento com a missão para a qual foi convocado. Se o governo não agir desta maneira, continuará recebendo vaias. A indignação da maioria da população, que paga impostos, continuará aumentando.
Obrigado Bernardinho, Ricardinho, Marcelinho, Giba, Bruno, juntamente com os demais jogadores e auxiliares da comissão técnica, pela alegria e orgulho de sermos brasileiros, neste momento de profunda tristeza e descrédito com parte das autoridades brasileiras. Que o exemplo de vocês seja o nosso guia para a transformação da nossa pátria amada, Brasil.

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