20 de ago. de 2007

Cry the beloved country

Por Ralph J. Hofmann

"In times of universal deceit, telling the truth will be a revolutionary act.”
“Em épocas em que a falsidade se torna universal dizer a verdade se tornará um ato revolucionário” George Orwell, 1984

Provavelmente dois romances de Alan Paton, “Cry The Beloved Country” e “Too Late the Phalarope” foram os que mais fortemente influenciaram o mundo nos idos dos anos cinqüenta e sessenta a tomar consciência das injustiças do “apartheidt” na África do Sul. O primeiro vendeu mais de quinze milhões de copias em vinte idiomas e ainda vende 100.000 cópias hoje. O autor fez conferências mundo afora expondo as mazelas de injustiças impostas aos não-brancos. Batalhou pela liberdade de Nelson Mandela, e infelizmente não viveu o suficiente para participar da euforia e do otimismo à época das eleições de 1994.
A viúva de Paton descreve a situação, treze anos após aquela eleição. Há criminalidade rampante. A polícia não dá conta de atender todos os casos. Mesmo ao prender assaltantes e assassinos não raro os solta, alegando falta de provas, mesmo quando há testemunhas disponíveis. As pessoas vivem enclausuradas em suas casas. Brancos e outras cores. A Sra. Paton cita nove assassinatos de pessoas conhecidas. Ela mesma já perdeu 2 carros por roubo, e o saque de sua casa duas vezes. Numa foi espancada. Agora, pesarosamente, aos 71 anos, 35 vividos na África do Sul, vai deixar o país.
Uma personagem em “Cry, The Beloved Country” diz; “O grande temor que nutro é que no dia que eles passarem a amar nós passemos a odiar”. E, segundo a Sra. Paton, é o que aconteceu. Ha mais tensão racial no país do que em qualquer época anterior. Mas não é tensão branco/negro. Ha mais temor dos próprios negros. São os mais vitimados pelos assaltantes, assassinos e estupradores. E não tem para onde fugir, ao contrário de muitos dos brancos.
Mandela chama os retirantes brancos de covardes. Ele sabe que uma sociedade multirracial na África do Sul seria uma dádiva para o continente. Mas não consegue controlar os quadros de seu partido, que se furtam a criar uma força policial eficiente e bem equipada, como havia antes do fim do apartheidt.
Ela cita uma frase do primeiro livro do marido: “Chore, o país amado (cry the beloved country), pelo filho que ainda não nasceu, herdeiro de nossos temores. Que não ame a terra com muita intensidade. Que não ria muito sofregamente quando a água correr por entre seus dedos, e que também não fique em silêncio mirando o sol poente tingir de vermelho a savana. Que não se emocione quando os pássaros deste país estiverem cantando, nem que tenha muito amor a uma montanha ou vale. Pois o medo roubará tudo se der demais de sí.”
Mas a parte do artigo que mais me impressionou, e que para nós que aqui estamos vivendo no Brasil, sob um governo legalmente eleito, mas que não exerce o poder para administrar competentemente, preferindo deter-se em esquemas de manutenção do poder e de regalias, foi a citação das palavras do reverendo nativo Joseph Msimangu no livro: “Mas quando um homem negro obtém poder e riquezas, é um grande homem se não se deixar corromper, Tenho visto isto muitas vezes. Ele busca dinheiro e poder para corrigir tudo que está errado, mas quando consegue essas coisas, passa a gozar o poder e o dinheiro. Agora pode realizar seus desejos e sua sede de bebida. Vejo somente uma saída para nosso país, quando brancos e negros, sem exigir dinheiro ou poder, a penas desejem o bem do país e se juntem para trabalhar pelo país”.
Creio que esta frase não ficaria mal em todos os prédios públicos do país, deixando, é claro, de fora a alusão a brancos e pretos, substituindo-a por brasileiros.
O grande temor que nutro é que no dia que eles passarem a amar nós passemos a odiar.

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