24 de set. de 2007

Transposição do São Francisco: uma nova indústria da seca

Por Adauto Medeiros, engenheiro civil e empresário

Se o Brasil fosse dirigido por gente séria estaria comemorando a vitória sobre a seca e a famosa frase de Dom Pedro II já não teria o menor sentido. A maioria dos nordestinos pensa que de lá para cá não foi feito nada, mas prefiro falar apenas do nosso estado.
Em 1982, construímos a barragem Aramando Ribeiro Gonçalves, com 2,4 bilhões de m³; em 1990/92 começou o baixo Assú com 6.000 hectares e ainda não terminamos. Em 1992 foram construídas as adutoras de Garibaldi, em 2003 fizemos as barragens de Umari e Santa Cruz com 900 milhões de m³. Hoje não temos grandes gargantas para fazer barragem a não ser a oiticica que está parada há 10 anos. Esta, uma barragem de 500 milhões de m³ serveria para gerar energia como para manter o nível da Armanda Ribeiro Gonçalves.
Temos hoje a nossa disposição 13,9 bilhões, sem contar mais 1 bilhão de Caremis/Mãe d´agua no Rio Piranha que vem da Paraíba. Agora vejamos o outro lado: o Rio São Francisco tem uma vazão de 1.860 m³ para o consumo das cidades ribeirinhas e 70% das cidades de Sergipe e Belo Horizonte e mais a irrigação dos plantios as margens do Rio, especialmente Petrolina e Juazeiro. A população ribeirinha chega a 8 milhões de habitantes e sendo o projeto de 26 m³ chegará para nós apenas 2,2 milhões de m³ o que é insignificante em relação à água que temos.
Talvez as pessoas que são favoráveis a Transposição não saibam que para recalcar 1 m³ de água no projeto, é preciso ter 3 m³ de água para fornecer energia para recalcar a água. E para o projeto todo, teremos de ter 7 mil km de túneis, que como podem ver é uma verdadeira indústria da seca onde os grandes beneficiários são as empreiteiras, as fábricas de cimento que por falar nisso estão instalando duas no RN. Projeto de 10 anos é uma festa para os políticos, pois precisam de lobby para liberar o dinheiro todos os anos. E para ter uma idéia o canal terá 25m de largura por 7,0 metros de altura. O orçamento de 6,6 bilhões é o inicio do projeto, mas com os desdobramentos é impossível quantificar aonde isso vai.
Isto mostra que não temos um projeto para o Nordeste e especialmente para o Rio Grande Norte, uma vez que precisamos construir o aeroporto de São Gonçalo, aliás até hoje não entendo porque não é em Parnamirim, pois além de ter o encontro de duas BRs, as rodovias para chegar lá já estão juntas e feitas, e em São Gonçalo não temos como chegar lá e para fazê-lo será muito caro. É incrível mais uma vez vermos que os empreiteiros dão as cartas.
Também precisamos de uma refinaria que foi para Pernambuco. Precisamos de um porto, precisamos construir uma siderurgia, precisamos divulgar o destino de Natal no exterior para manter esta superestrutura turística criada pela iniciativa privada para atender milhões de profissionais que estão desempregados, precisamos de estradas vicinais e estaduais, em suma, precisamos de tudo, muito especialmente de esgotamento sanitário para que a cidade possa crescer verticalmente e não proibir edificações por falta de esgoto. Este é o estado galhofa que não trata nem mesmo o nitrato, e no caso do Rio Potengi que recebe esgoto in natura, fica fácil colocar a culpa nos camarões, mas aqui é sempre assim.
E assim, enquanto não vêm nada, novas mentiras são colocadas na mídia para enganar o povo do Nordeste. Portanto, pelo que eu relatei não temos falta de água, pelo contrário temos muito, o que nos falta é bom senso. Não temos um projeto para as galerias pluviais de Natal e nem para transporte coletivo. Todos que vão ao exterior sabem que o metrô é a solução, mas infelizmente nem mesmo um estudo preliminar não existe. Brevemente os dominantes precisarão de helicóptero para livrar-se do trânsito. E enquanto não fazem as obras prioritárias vamos enganando a sede de justiça com 2,2 m³ por segundo. É bom lembrar que para a água que vem do São Francisco para encher Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte, precisará de 3 anos para enchê-lo. Não é uma brincadeira isso? Esse não é um país sério.

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