12 de dez. de 2007

Pode ou não?

O Tribunal de Contas de Mato Grosso está para ganhar dois novos integrantes, um deputado estadual, Humberto Bosaipo e Valdir Teis, secretário estadual de Fazenda. No artigo que você lê abaixo, o advogado Eduardo Mahon, que amanhã se torna imortal da Academia Mato-grossense de Letras, debate o impasse: pode um Secretário ser indicado como Conselheiro?

Sorrisos ou Cicatrizes
Por Eduardo Mahon é advogado em MT e Brasília.

A pergunta da vez é: pode um Secretário de Estado, sem mesmo haver desincompatibilização funcional, ser indicado para o Tribunal de Contas? O problema ganha contornos dramáticos quando traçamos a hipótese de julgamentos de contas da própria gestão da qual emigrou e, ainda, das entidades até então alinhadas politicamente, afora inúmeros alcaides do grupo político dominante. Qual a independência? Qual a imparcialidade? São esses questionamentos, em flancos deixados por estratégias nada ortodoxos e/ou constitucionais, que alvejam os Tribunais de Contas do Brasil, repouso mais de políticos do que de técnicos.
Evidentemente que a objeção não está centrada na questão contábil ou política, conforme a ótica do problema. Não seriamos primários em afirmar que bons tecnocratas dariam bons conselheiros, apenas pelo domínio da ementa acadêmica ou de outras titulações universitárias. Ao contrário – são políticos os mais sensíveis para saber o que aconteceu de fato numa administração. Não têm eles olhos apenas para o balanço e sim para conjunturas. Entretanto, o mínimo de suporte técnico não pode ser relegado para figuras de bastidores.
É claro que bom seria a imitação de outros tribunais brasileiros onde, diante de um julgamento jurídico, só entrassem juristas. Todavia, na atual sistemática da fiscalização de contas, é preciso tomar uma dose considerável de cautela quando uma gestão político-partidária envia a mensagem para apontar o magistrado da vez. As justificativas não se pautam em critérios objetivos: “o cidadão tem trabalhos prestados em Mato Grosso”. E daí? E o que mais? E o que o habilita? E o que o diferencia?
É que infelizmente a Constituição da República não prevê qualquer tipo de pressuposto para a indicação e, o pior, deixa de estabelecer critérios de quarentena mínima para a transformação do aliado em fiscal. Em tese, aliados jamais poderiam ser fiscais, mormente oriundos diretamente da própria administração pública. Outra é a situação do parlamentar ou qualquer homem públicos, não ligado umbilicalmente com o esforço administrativo da vez. Desafortunadamente, as coisas não ocorrem com essa reflexão e, ao contrário de preservar um mínimo de distanciamento, despudoradamente indica-se não apenas um aliado, mas o próprio Secretário de Estado. Méritos e deméritos pessoais ou funcionais não estão sendo aqui objeto de investigação, mas a postura institucional novamente está errada – e não é a primeira vez.
Outro fato pitoresco, é o afastamento de Conselheiros sem o decurso do prazo de aposentadoria por idade. Normalmente, nos tribunais brasileiros, como o cargo é vitalício e pertence à carreira jurídica duramente palmilhada nas décadas de trabalho na profissão, os magistrados até relutam em se aposentar e, regra geral, só fazem impelidos pela aposentadoria compulsória. Afora o caso de Jobim, Ministro do Supremo que, coincidentemente, foi convidado para ocupar um assento no Ministério da Defesa, todos os demais trilham a carreira, sem interrupções repentinas.
Os homens públicos que vestem a toga precisam dar mais de si, porque certamente Mato Grosso necessita da experiência de julgamento de contas até o desiderato da carreira. Antecipações de aposentadorias, como sói ocorrer, dão margem às interpretações das mais esdrúxulas. O fato é que, independentemente desta ou daquela conjectura, até mesmo a idade-limite precisaria sofrer flexibilização, porquanto tantas capacidades perdem-se, mesmo com lucidez e enorme bagagem obtida com os anos. Aposentar-se sem qualquer necessidade premente é um retrocesso e uma lamentável perda, agravado o fato de que a substituição dá-se por critério essencialmente político, o mais das vezes.
É preciso insistir numa velha tecla democrática. Aliados políticos não têm isenção para exercer o mister da fiscalização administrativa e esta é comprometida com critérios partidários. Tanto arestos jurídicos como os de contas devem se pautar mais pela lisura dos balanços e isenção do julgador, do que pela sustentação desta ou daquela facção no poder. É muito certa a máxima de Montesquieu quando afirmava que poder quer mais poder. Todavia, o antídoto para o vício da concentração do poder é um mecanismo constitucional bastante conhecido – quarentenas, incompatibilidades, impedimentos e suspeições. Vamos guardar acuidade com as contenções de poder, porque são elas que garantem a higidez do sistema futuro. Comprometer-se hoje é comprometer o futuro.
É certo não ser privilégio mato-grossense o avanço nas balizas do razoável, quando se trate de administração pública. Não menos certo é que compadrios são tendências naturais, não do político regional, mas do homem normal. Ainda assim, é preciso fazer valer mais as instituições arrimadas num sólido patamar constitucional do que agradar os que, inexoravelmente, passarão. E, quando passarem, deixam marcas positivas e negativas. É o povo (e algum bom-senso) quem estabelece se estarão tatuados indelevelmente cicatrizes ou sorrisos nas faces dos mato-grossenses.

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