Manobra 1
Nada mais público que o sigilo constitucional brasileiro. Sorrateira e matreiramente, a União não quis perder a boquinha do acesso irrestrito dos dados bancários da população, tudo sob o pálio das mais esfarrapadas desculpas. Felizmente, o Ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, costumeiramente contrário à febre persecutória, já anteviu a inconstitucionalidade da Instrução Normativa RFB nº 802, de 27 de dezembro de 2007 da Receita Federal.
Manobra 2
Pela normativa, obrigam-se as instituições financeiras a prestar informações semestrais em relação a cada modalidade de operações financeiras de que trata o art. 3º do Decreto nº 4.489/2002, sempre que o montante global movimentado em cada semestre seja superior a R$5.000,00 para as pessoas físicas e R$10.000,00 para as pessoas jurídicas. Digo e repito – não há sigilo algum, nem bancário, nem fiscal, nem epistolar e, principalmente telefônico, onde os grampos oficiais rolam soltos, chegando a atingir congressistas e ministros do Supremo Tribunal Federal.
Manobra 3
Evidentemente, como costuma ocorrer no Brasil, onde os parlamentos são Casas da Mãe Joana, não toma providências ágeis para conter a usurpação de competência, pela qual cabe regular o procedimento para a quebra do sigilo bancário, nos exatos termos da Lei Complementar nº 105/2001. Mas, por um sintoma inquisitorial, imaginemos haver expressa delegação na LC nº 105/2001 (e não há), ainda assim o Decreto e a IN só poderiam dispor sobre procedimento da quebra do sigilo bancário naquelas duas hipóteses previstas no seu art. 6º.
PT 1
O Partido dos Trabalhadores é, de fato, um caso de polícia. Organizou-se meticulosamente para promover a corrupção no Congresso Nacional, arbitrando mesada parlamentar e, ainda por cima, mantém José Dirceu em seus quadros, certamente sob pressão de mais verdades virem à superfície. Heloísa Helena resume o caso, chamando Dirceu simplesmente de ladrão. Para um partido de princípios, cuja ética era a bandeira mais cara, deve ser humilhante a sombra da cadeia para dirigentes da cúpula. E pior: da sistemática criminosa, querem impor o modelo para o futuro do país. Para que não, mas há alternativa e não está no salvacionismo esquerdista: o PT está desmoralizando a credibilidade das instituições, aquele resto de conquista institucional republicana.
PT 2
Será que a sigla sabia da quebra do sigilo no painel do Senado? Será que a sigla sabia dos mecanismos criminosos que tonificavam as candidaturas estaduais e federais? José Dirceu, chefe da ala predominante, então eminência parda do governo de Lula, insinua que sim e afirma categoricamente que todos sabiam a missão do “coitado do Delúbio”. Ainda há muita lama por debaixo do patrocínio de agências de publicidade, firmas de consultoria, montadas para captar a fraude que é notória nos mandatos atuais. Esse deve ter sido a tônica do slogan de 2002: “chegou a hora”. Sim, chegou mesmo: a hora deles enriquecerem. Estamos nos preparando para reprisar a fórmula. Chegou a hora: de sair.
Jerusalém Perdida
O ano começa arejado. O Supremo Tribunal Federal expediu ordem de soltura para um dos envolvidos na Operação Furacão, afirmando estar incorreta a mentalidade “prendendo-se para, posteriormente, apurar-se, ter-se a culpa formada e, então, impor-se a pena”, numa equação processual cruel e precipitada. É preciso renovar os nossos votos para que o sistema democrático nacional não esteja à mercê da volúpia vaidosa do Judiciário que pega embalo na fama ministerial e policial, ao prender dezenas de pessoas. Não que objetivemos a ineficácia das investigações, mas a prisão é medida que deve ser deferida como última das possibilidades, assim como o rompimento dos sigilos constitucionais e não como primeira providência, quase única, a amparar investigações.
Não que os envolvidos nesses escândalos sejam inocentes. Mas devem ser tratados como tal, porque o status constitucional garante que a certeza absoluta da culpa só emerge com uma sentença definitiva.
É que em todas as mega-operações, sobram inocentes segregados e isso é uma violência inominável. Daí não ser incomum virem cínicos operadores do direito afirmando que “não se faz uma omelete, sem quebrar ovos”, uma imitação de valores de sociedades ameaçadas pelo terrorismo. Não é o caso brasileiro, todavia. Embora a sociedade menos esclarecida peça uma epopéia cruzada pela segurança pública, sonega-se ser a própria classes média e alta as maiores beneficiárias das providências criminosas de maior vulto: o consumo de drogas, o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal, a corrupção em larga escala.
Ainda assim, não há Jerusalém nessa cruzada, não há um destino certo, não há um norte claro, porque o sistema jurídico brasileiro balança entre o arbítrio que é o caminho mais célere para vingar e as garantias constitucionais que, maliciosamente, são identificadas como empecilhos à segurança social. Mito, sofisma e falsidade. É perfeitamente possível coibir o avanço da criminalidade, não torturando, não grampeando, não invadindo, não prendendo inocentes, não humilhando, suprimindo garantias mínimas dos acusados e de seus advogados. Falta apenas inteligência.
É o investimento em inteligência policial que faz a diferença. Ocorre que, assim como o saneamento básico, as medidas que visam o aprimoramento da inteligência não são visíveis e politicamente não são rentáveis. Falar em inteligência e aparato sofisticado, num estado onde falta gasolina no carro do investigador ou papel-carbono nas máquinas de datilografar (sim, existem ainda), é quase uma anedota. Surge, nessa altura, soluções truculentas que exasperam qualquer pesquisador minimamente consciente da atual fotografia do sistema prisional. Se o índice de prisões continuar a crescer, não há dinheiro que chegue para manter campos de concentração. É caro demais.
Como ainda não inventamos um Guantánamo tupiniquim ou um sistema eficiente de eliminação de vidas “inconvenientes”, ficamos assim: lutamos contra os mouros que insistem em invadir a nossa Jerusalém gradeada, defendendo-a apenas com uma espada na mão.
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