30 de jan. de 2008

Mahatma Gandhi

Por Eduardo Mahon é advogado em MT e Brasília.

No dia de hoje, 30 de janeiro, háá exatos 60 anos, faleceu por disparos de um radical religioso a “grande alma” Mohandas Karamchand Gandhi. Convém lembrar as razões pelas quais Einstein afirmava que futuras gerações não acreditariam que passou pela Terra um homem com a dimensão deste líder pacifista. Diante do aprofundamento da crise racial sul-africana e do domínio colonial britânico sobre a Índia, esse franzino homem, formado em Direito na universidade de Londres e advogado por vocação, após ser expulso de um vagão de primeira classe na África do Sul, conscientizou-se da impossibilidade da continuação da submissão de comunidades discriminadas e que a libertação está ligada a uma prévia condição pessoal de disciplina mental e espiritual.
Liderar 250 milhões de pessoas por décadas de lutas políticas pela independência da Índia já seria, por si só, uma glória inesquecível, não comparada com qualquer outro feito contemporâneo. Mas Gandhi foi maior que isso. O fez sem o conflito direto armado, protestando contra a violência e pontuando atos de desmoralização simbólica contra a Inglaterra. Assim, é possível dizer inédito o feito deste indiano.
Adepto do “caminho da verdade”, o satyagraha, inadmitia a falsidade de ações, palavras e pensamentos e, com essa doutrina de resistência pacífica, foi agredido por diversas vezes, ainda na África do Sul e, ainda assim, recusou-se a processar os infratores, adotando a máxima da ego-restrição, penalizando a consciência do criminoso não pelo poder instituído e sim pelo exemplo de compaixão irrestrita.
De posse da “força da verdade”, comandou manifestações pacíficas tanto contra o apartheid como fazendo frente ao domínio britânico na península hindu. O princípio da não-cooperação e da resistência-pacífica eram mutuamente complementares, o que resultou num movimento de libertação inédita, inspirada por um misto de cultura cristã e de milenares conhecimentos orientais. A Índia foi o único país do mundo que rompeu com a dominação colonialista com uma sabe de conduta pacífica.
Mahatma Gandhi demonstrou na prática que a disciplina mental e espiritual não só incide no próprio praticante como reflete na sociedade da qual está inserido. Por meio de movimentos grevistas e de boicotes pacíficos das leis inglesas e questões relativas à tributação, fazia dos símbolos uma forma eficiente de comunicação. O exemplo pessoal era o inspirador geral de milhões de pessoas que esperavam a sua palavra. Dessa forma, a força da mente, aliada à postura disciplinada e a palavra bem refletida mudou o destino de um dos mais populosos países do mundo.
Guardião dos direitos de classes menos representadas na Índia, Gandhi jejuou profundamente, beirando a morte, a fim de manifestar o seu descontentamento com a discriminação e, noutras oportunidades, contra a violência de um povo oprimido, mas não acostumado a uma linguagem transcendental do grande líder. E mandava oferecer rosas justamente aos gendarmes do sistema dominador como forma de desmoralização pública de toda a burocracia britânica.
Em resumo, a doutrina revolucionária posta em movimento político por este notável homem é capaz de ilustrar posições firmes em prol de uma sociedade libertária, ainda que o conflito seja inerente dos embates entre dois sistemas de vida. Mas tal conflito não significa a violência contra qualquer pessoa, mesmo aquela agressora aberta do direito de exercitar as prerrogativas cidadãs do ser humano. Ou seja, a convicção pela igualdade e liberdade, binômio indissolúvel, vinha acompanhada por um terceiro elemento indispensável – a paz.
E para alcançar a paz, Gandhi contrariava a máxima latina – se queres a paz, prepara-te para a guerra. A paz é pressuposto da paz, a não violência é pré-requisito da não violência e não há qualquer justificativa para a vingança, a não ser a conseqüência de mais sofrimento e mais violência. É muito claro que tal fundamento é de dificílima compreensão e beira à incredulidade em termos práticos. Fomos, no entanto, brindados pela “grande alma”, homem comum, mundano, sem qualquer pretensão messiânica, nem profética, para sabermos ser possível o confronto de idéias, com o respeito concomitante pela existência do outro e o direito isonômico de manifestação.
Temos aqui uma prova de que a nossa violência, pequenas agressões, atentados diminutos ao outro, minúsculos desrespeitos, geram inevitavelmente mais desarmonia e retrocesso. Rompendo com o ciclo vicioso de mentira, indisciplina do pensamento, das ações e das palavras, temos a possibilidade de mover não só a nossa própria existência, mas transformar ativamente o meio no qual vivemos.
Os tiros desferidos pelo fanático Nathuram Godse, responsáveis pela morte deste frágil corpo, deitaram o corpo morto e frágil desta grande alma que foi liberdade para continuar guiando as consciências pacifistas dos humanos que comungam com os ideais de progresso, transformação, evolução e transcendência. Não é preciso conteúdo mistificador para a prática do amor incondicional: trata-se mais de um exercício quotidiano.

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