O governo usa o mesmo lado da toalha

Por Adriana Vandoni

Dias atrás fui convidada para participar de um ciclo de palestras de abertura do ano letivo em um colégio particular. Minha função era um bate papo sobre política e a influência dela no cotidiano de todos. A intenção da diretoria pedagógica da escola era reverter uma constatação feita pelos professores sobre os alunos daquela faixa etária. Eram adolescentes de 14, 15 e 16 anos que se disseram não ter interesse em fazer o título de eleitor enquanto a Lei não os abrigasse. Aos argumentos dos professores eles reagiam dizendo que nada mudaria, que a política é suja e os políticos só sabem roubar.

Fui, temerosa, confesso. Enfrentar uma platéia nessa faixa etária em que o senso crítico é mais afiado que faca de churrasqueiro, não é fácil. Foi um verdadeiro bombardeio de perguntas desafiadoras e desconfiadas. A certa altura o assunto enveredou para o uso dos cartões corporativos e fatalmente chegou ao reitor da UnB, aquele que comprou uma lixeira de mil reais pra seu apartamento com o dinheiro destinado à pesquisa científica. Todos sabiam, apesar de não entenderem bem o mecanismo dos cartões corporativos, que o reitor tinha decorado sua casa com dinheiro público.
- Mas, tipo, como é que a pessoa sabe o que pode ou não comprar com o cartão?
- Bem, além das exigências legais, só podemos contar com o bom senso e o escrúpulo do detentor do cartão. O reitor, por exemplo, não teve um pingo de escrúpulos ao decorar sua casa com um dinheiro que é nosso.
Nessa hora a vaca foi pro brejo. Uma garota vira pra mim e diz:
- O que é ter escrúpulo? Como saber quanto de escrúpulo tem uma pessoa?
Ai, meu santinho!, pensei, como vou explicar e mensurar o escrúpulo?!?
Daí eu contei uma historinha. Quando eu era bem pequena, tinha uma amiga que marcava o lado da toalha que usava após o banho. Sabe por que ela fazia isso? Para não correr o risco de enxugar o rosto com o mesmo lado em que enxugou a bunda.
Isso é ter escrúpulo. Ninguém sabia que ela não enxugava o rosto com o mesmo lado da toalha, mas ela sabia e se por distração acontecia de ela enxugar o rosto com o mesmo lado em que enxugou a bunda, ou ela tomava outro banho, ou sentia-se mal, ficava constrangida, como se todos estivessem percebendo que ela tinha usado o mesmo lado da toalha.
Escrúpulo é isso, ninguém sabe, ninguém vê, mas a pessoa que tem, sabe. É uma inquietação da consciência quanto à forma de agir, e agir corretamente mesmo que a lei não lhe imponha.
- Então você está querendo dizer que o reitor enxugou o rosto com o mesmo lado da toalha com que enxugou a bunda?, concluiu a aluna.
- Sim. Acertou na mosca. E ainda acrescento que ele só não. A impressão que tenho é que este governo todo está usando o lado da bunda pra enxugar o rosto e nem fica constrangido.