17 de mai. de 2008

A explicação marxista da arte

Por Laurence Bittencourt Leite

A relação dialética entre produção intelectual e artística (mais artística que intelectual) de baixa qualidade de um lado, e o avanço material da sociedade de outro, já é por demais conhecida dos leitores de Marx.
Essa na verdade é um dos grandes achados do judeu alemão, na análise que faz das produções artísticas e sua relação social, mas que dentro das teorias literárias, por exemplo, nunca foi muito explorada.
O inverso também é analisado e refletido por Marx em um livro como "Contribuições a critica da economia política". Marx tomando como ponto de partida a arte grega antiga, mostra com uma clareza incrível, que a arte ou poesia grega pressupõe justamente a mitologia grega. À medida que a sociedade avança e o homem conquista as forças da natureza, faz surgir um novo tipo de arte, como também traz, contraditoriamente, um empobrecimento da arte. Marx termina lançando sua conclusão terrível, de que sob o capitalismo (onde o avanço científico e tecnológico alcança seu ápice), apesar da construção e do surgimento do romance, uma atividade eminentemente individual e solitária, própria do individualismo capitalista (ao contrário da poesia épica dos gregos antigos, construída sob a oralidade que pressupõe uma platéia, os ouvintes o mesmo se dando com o teatro), a arte cai em qualidade, justamente por conta do mundo massificado, industrializado.
Quanto mais a mitologia é superada e o homem avança em produção material, mas a arte empobrece. Há contradições? Claro. Mas o que Marx tenta ser é coerente com sua posição de que a arte tem a ver com o desenvolvimento material da sociedade. Ou melhor, que termina sendo um reflexo dessa relação. Para Marx, a explicação mitológica da natureza, foi o campo fértil para o surgimento da arte grega. Assim sendo, foram as condições históricas da Grécia antiga, que levaram justamente a criação da arte grega.Um dos bê-á-bás marxista.
Por sua vez, se o avanço científico, tecnológico e capitalista leva ao surgimento do romance, também gerou o surgimento da arte industrial, a cultura de massa. Essa é a tese marxista. Isso quando eu li pela primeira vez, me fez compreender muito bem, porque por exemplo, uma sociedade como a nossa no Nordeste, em especial aqui entre nós, foi capaz de produzir um gênio como Cascudo, explorando a arte popular (não a industrial) em um resgate próprio da oralidade, mas que é incapaz de produzir a chamada arte urbana, burguesa da mais alta qualidade, também própria do capitalismo.
Essa falha de compreensão marxista, fez e faz ainda muitos comunistas rejeitarem e torcerem o nariz para Câmara Cascudo. Claro que toda criação artística e intelectual pertencem ao que Marx chamou de superestrutura de uma sociedade. Mas estariam nas condições matérias, de produção material melhor dizendo, as bases para a construção da superestrutura.
Nesse sentido alguns autores como Ernest Fischer ou Roger Garaudy, não entenderam a tese marxista, e acharam que toda criação artística era uma continuação mitológica ou uma similaridade mitológica de um mesmo processo que o ocorrido com a arte grega, ou nas palavras de Garaudy, seria a arte "uma imagem mítica do real". Esse desdobramento ou generalização, nada tem a ver com as propostas e teses marxistas. Nada, repito.
No entanto, a relação entre o desenvolvimento da arte e o desenvolvimento da sociedade continua a ser um bom ponto de partida para se buscar entender algumas questões que ainda estão em aberto em relação, por exemplo, às nossas produções culturais, ou a falta delas. Para um bom entendedor, a dialética, não propicia apenas o entendimento da realidade meramente política em nosso meio, mas pode ser muito útil para o entendimento de um estágio da nossa evolução ou, talvez mais corretamente, da nossa não evolução artística.
(*) Foto: Fazendo espadas em forma de arado de Yevgeny Vuchetich - Moscou

Um comentário:

Anônimo disse...

LBLeite: "estágio... da nossa não evolução artística." Uma sugestão: imaginar sobre o agito nas equipes de técnicos aplicadas em projetar a ponte estaiada/SAO; idem sobre a ferveção nas equipes que na Microsoft preparam a próxima versão do Windows; idem sobre equipes que preparam o carro da Ferrari para 2009; idem sobre equipes que preparam os atletas para as Olimpíadas/2008. A arte está na atividade das equipes! O produto está em exibição. A ponte estaiada deve ser vista como "quadro ao ar livre" em exibição; as brasileiras na ginástica formam "quadro em movimento" em exibição. Evidente que a arte da atualidade - gerar um objeto - está assemelhada aos quadros no MASP ou no Museu do Ipiranga. A arte está na produção dos dois robôs que zanzam na superfície marciana. A arte está na manutenção do Hubble em órbita com a utilidade de detectar sinais eletromagnéticos e compor imagens sobre "coisas" encontráveis no Cosmos. O Hubble e as imagens geradas são "quadros em exposição". Quero dizer que a arte a a ciência está do lado de quem faz, de quem cria, de quem descobre, de quem constrói, de quem expressa/externa/transmite/transfere. O paulistano passeia (visita, admira) na ponte/2008 como passeou (visitou, admirou) junto ao Congonhas há décadas atrás. Um exemplar diário do jornal Folha de São Paulo é a arte do dia realizada pela redação que elaborou e pôs em circulação. A respeito da revista Scientific American Brasil, edição especial n.22: "Nanotecnologia: como o domínio das moléculas está reformulando o mundo" - são 90 páginas de arte realizada por "n" equipes de cientistas, professores, mestres, PH.Ds. e jornalistas. A dialética se dá entre os artistas realizadores das artes por meio de versionamentos - o que importa é a próxima versão.