9 de mar. de 2011

Marcel Proust e o escritor em busca do tempo perdido

Por Laurence Bittencourt

O escritor encontra uma saída para os seus dilemas em sua criação. Na sua arte. Faz dela a sua “vida”, ou encontra nela, ou a partir dela, a recuperação para um certo “tempo perdido”. Lembro de um evento junto com algumas pessoas que participei e organizei, onde o artista plástico norte-rio-grandense Flávio Freitas, convidado para o debate, disse, diante de uma boa platéia, que comumente as pessoas se referem ao artista como “alguém que vive de abstrações, não tendo (sua arte) um caráter prático”, o que levou Flávio a afirmar em seguida que era com essa sua arte que ele “pagava suas despesas, a educação dos filhos, seu lazer e a alimentação da família”. Ou seja, a arte com sentido prático, que transforma e pode ser transformadora. Tem esse caráter. E é sobre esse “tempo perdido” que eu quero falar a partir da análise de um dos maiores escritores de todos os tempos: Marcel Proust.

Um dos grandes méritos de Proust (1871-1922) como escritor foi exatamente o de saber misturar ficção e autobiografia de uma forma original. Claro que há também toda sua invenção formal. Os longos períodos, as descrições minuciosas de coisas, ambientes e pessoas que outros escritores não teriam o fastio de fazê-lo, as percepções do alto ambiente aristocrático francês, a acuidade psicológica, em suma, Proust não tinha o estilo enxuto, direto e moderno de um Voltaire ou mesmo de um Flaubert. Mas seu estilo oblíquo, até certo ponto pesado, fastioso, fez dele um escritor inovadoramente rico dentro da literatura.

Para quem tem pouco traquejo nas leituras e nos jogos culturais não pode imaginar que o autor de “Em busca do tempo perdido”, só veio a ter fama como escritor após sua morte, em 1922. Digo, claro, fama mundial. Internacional. E por que isso? Proust, judeu, de fato, foi em muito um esnobe, um aristocrata esnobe. Depois de escrever sua maior obra, “Em busca do tempo perdido”, perdeu vários amigos da alta sociedade parisiense, justamente por retratá-los de forma magnífica. Amigos e amigas de longas datas deixaram de falar com ele. Há uma frase sua, em que ele diz que “pintar, na escrita, o retrato de um amigo, era perder esse amigo”. Proust também foi um adepto de que era “melhor perder o amigo, mas não a frase”.

Sem cair em reducionismos como o do escritor inglês Graham Greene, para quem Proust fora o maior escritor do século XX, como Tolstoi o fora para o século XIX, ou como o de André Gide, que afirmou que o francês era um “esnobe intelectual e um repórter de acontecimentos da alta sociedade”, o certo é que depois da publicação da sua magistral obra “Em busca do tempo perdido”, que se inicia com “No caminho de Swann”, é impossível não sentir o peso do seu talento. E se ele teve muito desse “repórter” da alta sociedade, dita por Gide, também nos deu muito mais.

Seu primeiro livro escrito em 1896, “Os prazeres e a vida”, onde o título é um derivativo óbvio do livro do grego Hesíodo, “Os trabalhos e os dias”, já demonstra (no próprio título) toda uma diferença de pensamento, entre as classes aristocráticas do mundo antigo, com a mesma classe no mundo contemporâneo, classe da qual Proust pertencia. O livro, apesar de não lembrar nem de longe a monumental obra posterior, traz um prefácio de Anatole France, já um escritor de renome. Essa necessidade de apresentação de um grande nome não passou incólume ao crítico (e amigo de Proust) da época, Fernand Gregh, que disse sarcasticamente: “com uma espécie de timidez ele recorreu aos seus amigos mais precisos para introduzi-los na vida literária”. O livro, apesar das críticas, vendeu pouco.

O francês ainda escreveu um outro livro, chamado “Jean Santeuil”, em que, apesar dos relatos extensos sobre o famoso caso Dreyfus, já revelava o embrião do que estava por vir. Proust sempre fora um ambicioso social, e transitou e conheceu os grandes nomes culturais da época como Anatole France, Oscar Wilde (foi esnobado por este), Mallarmé, Gide, como também o filósofo Bérgson, que depois de perceber que Proust tinha traços obsessivos, se cansou da sua conversa enfastiada e repetitiva.

Proust foi influenciado por Balzac (declaradamente seu grande ídolo na literatura), fascinado com o uso de personagens seguidos (que Balzac fazia) em obras separadas, como numa seqüência. E é a partir de 1900 que ele irá dar início a sua última e grandiosa obra, “Em busca do tempo perdido”, tendo sua edição sido rejeitada, acreditem, por André Gide, por achá-lo “repórter” demais. O primeiro volume, com o título de “No caminho de Swann”, foi publicado em 1913, seguido em 1919 com “A sombra das raparigas em flor”, indo até 1922 com “Sodoma e Gomorra” e “O tempo redescoberto”, que mereceu inclusive uma filmagem com John Malkovich e Catherine Deneuve.

Se você nunca leu Proust, pode achar que todo esse confete é excessivo. Mas se você tiver persistência e gostar de ler, tome, mesmo que aleatoriamente, qualquer dos volumes de “Em busca do tempo perdido”, que entrará num mundo fascinante e saberá o porquê do seu sucesso. Como ele mesmo disse uma vez, “a verdadeira viagem não consiste em ver novas paisagens, mas sim, em ter novos olhos e olhares sob a mesma coisa”. Uma boa metáfora para a nossa eterna aridez cultural.



(*) Fotomontagem: “Pourquoi veut-on toujour rattraper le temps perdu?” (Por que sempre queremos recuperar o tempo perdido?).

Marcel Proust em 18 de novembro de 1922.

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