11 de jul. de 2007

Constituição X Congresso

Por Peter Wilm Rosenfeld

Quem acompanhou a elaboração de nossa Constituição Federal nos anos 1987/88, sabe que prevaleceu, em todas as discussões, o revanchismo em relação à “Redentora” de 1964. Foi batizada de “Constituição Coragem”, como se lê antes mesmo de seu Preâmbulo e de “Constituição Cidadã”, pelo Deputado Ulysses Guimarães em seu discurso quando da promulgação, em 05 de outubro de 1988.
A leitura desse pré-preâmbulo, “A Constituição Coragem” revela quão inviável ela se provou desde o início. Exemplos dessa afirmativa são os dois últimos parágrafos:
Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei.
A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.
Originalmente continha 232 artigos, com uma infinidade de parágrafos e de incisos, além de 12 Disposições Constitucionais Gerais e de 70 Disposições Constitucionais Transitórias.
Passaram-se 19 anos desde então. E o que vimos?
Já sofreu 59 emendas, sendo 53 emendas constitucionais e 6 emendas de revisão.
Das 70 Disposições Constitucionais Transitórias, a grande maioria ainda não foi transformada em definitivas, por pura e simples omissão tanto do Congresso como do Poder Executivo.
A leitura do Título I – Dos Princípios Fundamentais, levaria qualquer cidadão sério e responsável às gargalhadas (ou, talvez, às lágrimas), motivadas pela comparação do que está escrito com a realidade do que está acontecendo no Brasil.
O Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu Capítulo I, Dos Direitos Individuais e Coletivos, enumera 77 incisos, muitos com várias ou muitas alíneas, de direitos; não há referência a deveres. Aliás, a ausência da referência a deveres é marcante.
E, como é sobejamente sabido, a cada direito do cidadão deve caber um dever; inexistindo esse equilíbrio, passa a prevalecer o caos.
O Constituinte de 1988 julgou que, para prevenir futuros movimentos como tinha sido o de 1964, bastaria inserir dispositivos na Constituição que tornassem tais movimentos proibidos ou impossíveis. Belo raciocínio, quando se sabe que uma das características dos golpes é a de passar por cima de qualquer lei, inclusive da chamada Lei Maior.
No Brasil os políticos têm o mau costume de pensar primeiro em seus próprios interesses e só muito subsidiariamente nos interesses da nação ou do de seus cidadãos.
O melhor e mais acabado exemplo dessa afirmativa é que entre nossos 513 deputados federais e 81 senadores, há um sem número deles com pendências judiciais bastante sérias que, com um judiciário que verdadeiramente funcionasse, já teriam sido condenados. No Brasil, ao contrário, mesmo os criminosos são beneficiados com o incrível foro privilegiado que lhes proporciona uma vergonhosa impunidade!
Quando penso em termos de Constituição sempre me vem à mente a dos Estados Unidos da América do Norte, promulgada em 17 de setembro de 1787, que consta de apenas 7 (sete) artigos com um total de 21 seções. Sofreu, nesses 220 anos, apenas 27 emendas.
Isso porque os 55 verdadeiros cidadãos, chamados de Pais da Pátria, tiveram em mente os interesses dessa Pátria, e não seus próprios.
E, por essa última razão, impuseram aos futuros senadores e deputados uma série de obrigações e muito poucos direitos. Mais, por sua sabedoria e seu patriotismo, inscreveram na Constituição que, para ser emendada, requeria a aprovação de pelo menos 2/3 dos legislativos estaduais. Sabiam esses cidadão que a Lei Maior é demasiadamente importante para poder ser emendada à toda hora, em muitos casos à revelia do que os cidadãos e eleitores desejam.
Impossível que não venha à mente dos verdadeiros patriotas brasileiros (e, surpreendentemente, eles existem e não são poucos...) a pergunta de qual razão levou nossos Constituintes de 1988 e nossos políticos de lá para cá a não buscarem o exemplo de democracias consolidadas, em funcionamento há alguns séculos, ao redigirem a Constituição e a criarem legislações adequadas ao funcionamento de uma verdadeira democracia.
Na marcha em que estão indo as leis de nosso País e, ademais, a prática deturpada de muitas delas, estaremos em breve em situação semelhante à da Venezuela atual, do inconseqüente e amalucado Hugo Chávez: uma ditadura, com roupagem de democracia.
A inveja é um sentimento que não deveríamos ter. Em meu caso, sinto inveja dos paises que têm sistemas verdadeiramente democráticos, como o Reino Unido, o mais antigo de todos, os EE.UU. da América, a que já me referi, e tantos outros países, quer sejam repúblicas, reinados ou impérios.
E não me envergonho de dizer que a Constituição “Cidadã” de Ulysses Guimarães é a pior de todas quantas existem em democracias ou supostas democracias.

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