Quando tinha mais ou menos uns 16 anos ouvi, de uma grande pessoa, profissional na área do Direito, e me fez diferença pela primeira vez, a frase “Direitos humanos são o trabalhador!” Referindo-se então ao estado dos presídios no Rio. Hoje vendo que eles continuam iguais e acompanhando a situação no Complexo do Alemão, me lembro dela com carinho. É verdade que algo precisa ser feito. O cidadão precisa ter conservado o direito de ir e vir, o direito a vida. O poder do narcotráfico não pode ser maior que o da polícia. Este problema divide-se em vários outros não menos importantes e que deixaram certezas e dúvidas enormes depois da invasão do Complexo do Alemão.

Não falo de fora do problema, primeiro porque sou carioca, convicta, depois porque trabalhei em creches nas comunidades do São Carlos e da Rocinha. Meu trabalho com animais, hoje na calma Maricá, também no Estado de Rio de Janeiro, já foi na Baixada. Em todos estes lugares, cruzava-se diariamente com o crime organizado, com o poder das milícias. Portanto falo com conhecimento de causa e não apenas como leitora midiática, ou jornalista, falo como cidadã que viveu e presenciou esta barbárie, de perto.
Agora com as exumações de dois menores, mortos nos conflitos do Complexo autorizada pela família, teremos novas versões da morte dos mesmos. Ainda não compreendi bem porque a comissão de direitos humanos não teve acesso às necropsías, uma vez que tinham este direito. Fica uma coisa meio e porque não dizer, totalmente escusa. O Complexo do Alemão é sabidamente, há anos, até por nós que não fazemos parte da inteligência da polícia, rota das armas que são distribuídas pelas outras favelas do Rio. Então, se a polícia invadiu para bloquear essa distribuição, porque não foram apreendidas alguma das armas que favorecem a inferioridade da polícia? O que foi noticiado como apreendido, é ridículo! E onde estavam os grandes do poder paralelo quando a comunidade foi invadida “de surpresa”? Quantos foram presos? Se levarmos em conta o que nos foi revelado, além de população, só “soldados do tráfico”. E drogas, que quantidade foram apreendidas? E quanto aos possíveis abusos, os possíveis saques, o que será feito?
A polícia do Rio precisa de uma inteligência que funcione, já que o seu poder armado é tão inferior. Como confiar numa polícia ridicularizada em sua própria freqüência de rádio? Porque não atirou nos bandidos que dançavam em sua frente após a derrubada do “muro da vergonha”?
A inferioridade armada e estratégica comprovada no Complexo do Alemão já leva outras facções a também crescerem. É o caso do morro da Fallet e do Fogueteiro, no Rio Comprido, que como mostrado no O Dia de ontem, fez uma trilha de pó branco, alusivo à cocaína, na principal rua de acesso ao morro, a Barão de Petrópolis, onde esta localizado o Hospital do Amparo Feminino. A trilha, é lógico, não foi para direcionar o consumidor. Este compra até por telefone. È mesmo um desacato, uma afronta ao poder público, uma demonstração de poder, e o pior da certeza de que nada vai acontecer!

O governador Sérgio Cabral, declarou que os bandidos estavam morrendo de fome em decorrência da tomada do Complexo do Alemão. Então espera aí, se estão morrendo de fome que sejam presos ou mortos. Espero realmente, como cidadã, carioca, e mais ainda como eleitora que a verba liberada pelo governo federal não seja usada em obras de fachada, teleféricos e parques ecológicos. O povo quer saúde, educação, saneamento, asfalto, resumindo, DIGNIDADE.
Os moradores da comunidade não se negaram a ajudar, só devem ter ficado na mesma situação que nós, querendo saber como vazou da polícia a informação de invasão “de surpresa” e esta levou para longe os chefes do tráfico. Uno minha voz a dos moradores honestos e trabalhadores do Complexo do Alemão. O remédio amargo deveria estar sendo dado a quem se corrompe, saqueia, executa! Não são todos, mas é preciso deixar claro que não nos passa desapercebido que polícia conivente é pior que bandido! Feito o balanço da invasão...O que será do Rio com as próximas investidas?
Um comentário:
Prezada Sra.
Penso entender suas preocupações no sentido de preservar as pessoas de bem que vivem nesses guetos. A maioria das pessoas que aí vivem, ou sobrevivem, o fazem enfrentando uma vida que é reconhecidamente dura. E não é de hoje que convivem com o que há de pior na miséria humana que é a miséria moral. Estão afastadas de tudo aquilo que é necessário para dar estabilidade a uma família. Casamento estável, emprego com salário dígno, escola para os filhos, etc. Mas o fato é que o Estado não somente se afastou desses guetos como permitiu que ali a lei do mais forte, ou do mais violento e criminoso se tornasse o poder local. Sabemos todos como reage um homem de bem. Ele não adota a violência, a força como uma forma de sobreviver. A preservação de sua própria vida e a de seus familiares não permite que ele se exponha enfrentando essa violenta realidade. E passa a colaborar com o crime na medida em que não em a quem recorrer. Quem se arriscaria a contar com a segurança do Estado? Quando a Sra. com razão aponta a quantidade ridícula de armas apreendidas nas blitz tem que levar em consideração que uma parte das forças de segurança recebem mais do crime do que recebe na sua folha de pagamento. A quantidade de policiais que estão a serviço do crime é um fato em todo o Brasil. Quando ocorre uma blitz o pessoal do crime sabe com antecedência e é quase certo que uma certa quantidade de armas é apreendida para dar satisfações à sociedade. Mesmo levando em consideração o ridículo que isso representa. A quantidade de políticos que chega às nossas casas legislativas, câmaras e até o senado e que são financiados pelo crime já é do conhecimento de qualquer cidadão bem informado. Estão nos jornais e revistas. Como fazer para acabar com o crime organizado diante de uma sociedade que se caracteriza por ser desorganizada? Quem nos representa de fato e que faz parte de qualquer governo, seja ele federal, estadual ou municipal?
O Estado vive para si mesmo e se associa a qualquer instituição que lhe permita manter-se permanentemente. O que o cidadão comum tem como direito é trabalhar para pagar a conta que nos vem através dos impostos. Qualquer pessoa que tenha meios hoje em dia tem que levar seus filhos para escolas particulares, contratar serviços de segurança, planos de saúde e se contentar com estradas esburacadas, portos que são de baixa produção, aeroportos que estão em estado de permanente cáos. Tudo isso não chega à Brasília, Pasárgada dos políticos. Com isso o chamado tecido social vai se esgarçando e o que observamos é uma sociedade que se torna mais e mais permissiva. Fico pensando como é que jovens, para se divertirem, colocam fogo e matam uma pessoa. Não importa se é índido, mendigo, azul, vermelho. É barbárie. No entanto, o Judiciário - sempre me pergunto se temos efetivamente o que chamamos Poder Judiciário - protela, protege os que são amigos do Rei. Existem cidadãos que efetivamente são imunes às leis desse país. E quando se pensa que elas atingirão os criminosos perigosos, a imprensa nos mostra folhas corridas de crimes que tem mais de cem metros de comprimento e o seu proprietário está solto, com menos obrigações do que o idiota que trabalha e tem seu código de ética para lhe orientar seus atos.
Uma autêntica desmoralização dos valores. Fico imaginar como é possível que intelectuais, pensadores, possam crer que se possa, à moda do Frankstein, construir um corpo social inteligente, saudável, utilizando membros atrofiados, órgãos que estão comprometidos e que fazem parte do tronco, e uma cabeça que é efetivamene a de um débil mental. Pois é assim que vejo o Brasil sendo construído. Tenho fé que eu esteja absolutamente enganado, que não estou enxergando corretamente a nação que está sendo construída e eu estou completamente desinformado.
Portanto, minha cara Sra., penso ser muito difícil não se cometer abusos na tentativa de se diminuir a ação da criminalidade. De uma certa forma contribuímos para que as coisas chegassem a esse ponto. Por omissão, por falsos discursos que comodamente aceitamos, desde que não precisemos nada fazer, e assim por diante.
Reverter esse processo demandará muitas gerações, na suposição de que algumas delas o queiram.
Com apreço
Léo
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