23 de jan. de 2008

Caras-de-pau

Por Peter Wilm Rosenfeld

É realmente incrível como os políticos brasileiros, virtualmente sem exceção, conseguem ser caras-de-pau.
E essa característica não se limita aos políticos de âmbito federal; tal qual doença maligna, alastrou-se pelas unidades da pseudo-federação e aos municípios que integram os estados.
Mais: não é limitado aos supostos três poderes. A metástase tomou conta de todos.
Comecemos pelos municípios, onde as pessoas vivem, conhecem seus prefeitos e vereadores e se revoltam não só com as imoralidades cometidas pelos políticos que eles mesmos elegeram (e que, em sua grande parte, conhecem diretamente e com quem podem ter contatos diretos, olho no olho). Os jornais noticiam, dia a dia, o que essa gente “comete” de absurdos, quer pelo pouco trabalho, quer por nepotismo, desperdício do escasso dinheiro com viagens inúteis, ressarcimento de despesas totalmente desnecessárias, passeios e as demais barbaridades. Logo, nenhum munícipe pode alegar desconhecimento do que se passa no âmbito da prefeitura ou da câmara de vereadores. Quanto menor o município maior a quantidade de cidadãos que realmente conhece seus dirigentes. Apesar disso, elege e re-elege os que vão gastar (mal) o normalmente escasso recurso da prefeitura.
Nos estados já não existe essa proximidade entre eleitor e eleito. Como o deputado é obrigado a buscar votos no âmbito de todo o estado, não conhece diretamente significativa parte de seus eleitores, apesar de ter que buscar apoios ($$$$) de e em todo o estado.
Todos sabem que esse sistema está errado: os eleitos não conhecem diretamente a grande maioria de seus eleitores; esses últimos não têm muito o que cobrar de seus eleitos, pois esses, a sua vez, não têm como saber se determinado cidadão realmente votou nele ou não.
A solução todos sabem qual é, mas como são caras-de-pau, nada fazem para adotá-la: o sistema de distritos eleitorais, idealmente no bojo do parlamentarismo, mas que também é aceitável em um sistema presidencial de governo.
Mas ninguém quer adotar esse sistema porque, a partir daí, cada eleitor teria “seu” deputado estadual e dele certamente cobraria trabalho e resultados. E os parlamentares não querem sofrer esse tipo de policiamento, apesar de saberem que gastariam muito menos em suas campanhas eleitorais.
Ocioso ressaltar que exatamente o mesmo ocorre com os parlamentares federais.
Já se disse e escreveu muito sobre isso. Até há alguns parlamentares que concordam que o sistema de distritos eleitorais é muito mais econômico, mas não lhes interessa a possibilidade de serem cobrados por seus eleitores.
Tive a oportunidade de freqüentar o Congresso americano inúmeras vezes; o que vou relatar é realidade todo o tempo.
Em cada gabinete dos senadores e deputados há um relógio, bem em frente às mesas de trabalho. Os relógios dispõem de um sistema de cigarras e luzes que indicam o que está acontecendo nos plenários. Poucos minutos antes de ocorrer uma votação, soa a cigarra e lâmpadas se acendem indicando que haverá uma votação. Freqüentes vezes, o senador ou o deputado com quem nosso grupo estivesse falando pedia desculpas porque se ausentaria uns minutos a fim de votar, pois seu voto tinha que constar de seus registros, já que o assunto era de especial interesse para seus eleitores e ele seria “cobrado” em seu distrito.
Lá, ninguém sabe o que é voto simbólico ou voto de liderança; ambos são excrescências em qualquer parlamento (menos nos parlamentos – federais e estaduais, do Brasil).
Nossos políticos têm a cara-de-pau de abrir mão de seu dever maior, que é o de votar os assuntos que lhes são submetidos. (Vale lembrar que também temos os “pianistas”, que votam por si e por algum colega ausente, como o fez, entre tantos outros, nosso novo Ministro de Minas e Energia quando era Deputado Federal)
Além disso, e apesar de todo o clamor público, têm a cara-de-pau de só comparecerem ao Congresso durante três dias por semana (na realidade, deveriam “residir” em Brasília, como acontece em todo o mundo: a residência de um parlamentar, pelo menos durante a semana, têm que ser na cidade em que o parlamento funciona).
Mais: têm a cara-de-pau de apresentar contas, para efeito do recebimento de uma ajuda de custas, fajutas, com despesas fajutas.
Para finalizar, cada deputado federal nos custa mais de R$ 6 milhões por ano; cada senador nos custa R$ 10 milhões por ano. Beleza pura.
Em um dos próximos artigos comentarei, sob o mesmo título, os outros dois Poderes da suposta República Federativa...

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