31 de mar. de 2008

Há 40 anos a morte de Edson e do Calabouço

Por Chico Bruno

Todo dia 28 de março, relembro os tempos de adolescente. Relembro do Calabouço, localizado na Avenida Beira-Mar, na Esplanada do Castelo, onde freqüentava o restaurante e jogava bola na quadra de futebol de salão.
Morava vizinho ao Calabouço, na esquina entre as avenidas Presidente Antônio Carlos e Presidente Wilson, num edifício em frente a Maison de France e a Faculdade de Filosofia.
O Calabouço marcou a minha vida e de muitos da minha geração.
Foi do Calabouço, que assisti a passagem do cortejo levando o caixão com o corpo de Getúlio Vargas em direção ao Aeroporto Santos Dumont, onde embarcou com destino a São Borja para ser enterrado. Tinha apenas seis anos, mas naquele tempo vivíamos com a liberdade de jogar bola na rua, o que hoje é muito difícil para uma criança nessa idade. A multidão dando o último adeus a Getúlio ficou marcada em minha memória.
Foi do Calabouço, com 16 anos, que no dia 13 de março de 1964 parti acompanhando milhares de estudantes em direção ao grande comício da Central do Brasil, organizado pelos petroleiros em solidariedade ao presidente João Goulart.
No dia 31 de março, do mesmo ano, foi no Calabouço que me entrincheirei com outros jovens para resistir a Polícia da Aeronáutica, que tomou de assalto a Esplanada do Castelo em nome do Golpe Militar de 1964 e marchou para desalojar quem estivesse no Calabouço. Com muita sorte, mas com a face sangrando graças ao estilhaçado de uma granada, consegui fugir e me refugiar na caixa d’água do prédio onde morava.
Daí para frente, tornei-me um ativista contra a ditadura militar.
O Calabouço, onde funcionava também, a sede UMES, transformou-se no quartel-general da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço. Durante o dia para lá acorriam todos os que tentavam desarticular a ditadura militar. Figuras como Antônio Calado, Carlos Heitor Coni, Fernando Gabeira, Thiago de Melo, Jaguar, Ziraldo e muitos outros faziam palestras de conscientização dos estudantes que faziam suas refeições no Calabouço.
À noite, estudantes, jornalistas, intelectuais e artistas se espalhavam pelos bares da Esplanada do Castelo, principalmente o Bar Santa Branca, carinhosamente chamado de Bang-Bang pelas portas com molas, mas havia, ainda, o Vilarinho, Pardellas, Padaria e Esplanada. Lembro bem da figura do ex-tenente Colares, expulso do Exército por se insubordinar contra o golpe militar.
Em 1967, o Calabouço foi demolido para dar lugar ao trevo dos Estudantes e transferido para um galpão próximo a Base Aérea, entre à Avenida Beira-Mar e à Rua Santa Luzia, à Avenida General Justo. O galpão tinha hora para abrir e fechar.
No dia 28 de março de 1968, uma manifestação era organizada no galpão para exigir a promessa não cumprida pelo governador da Guanabara, Negrão de Lima, de construir um novo Calabouço.
Por volta de seis da tarde, a PM chegou e nos dispersou, éramos aproximadamente uns 300 estudantes.
Nos, reorganizamos e voltamos atirando paus e pedras. A polícia revidou com tiros e bombas de gás.
Um disparo de pistola 45 acertou em cheio o coração de Edson Luis de Lima Souto, 18 anos, recém chegado do Pará com o sonho de se tornar engenheiro e dar uma casa para a mãe.
Imediatamente cercamos o corpo para evitar que a PM o levasse. Sem camisa, ensangüentado, carregamos o corpo de Edson, que abriu o caminho para um cortejo rumo à Assembléia Legislativa, na Cinelândia, onde o velamos.
"Mataram um estudante. Podia ser seu filho".
Essa frase correu o Rio de Janeiro naquela noite. O tiro comoveu a cidade e levou uma multidão às ruas para velar Edson Luis.
No dia seguinte, em grande cortejo a pé, o caixão com o corpo seguiu até o Cemitério São João Batista onde foi enterrado, assim como o Calabouço, fechado definitivamente pela ditadura.
A partir daí, o movimento em reação a ditadura se agigantou. Passeatas, tiros, bombas e prisões se tornaram comum no dia a dia carioca até chegar a Passeata dos Cem Mil.
Essa reação desaguou no AI-5 e em seguida na tentativa de luta armada.

2 comentários:

Cantinho do Joe disse...

Nesse mesmo 28/03/68,fui acordado,jogaram-me um fuzil FAO nas mãos e ouvi:Precisamos defender o Brasil dos comunistas.
Eu era aluno da Escola Naval,nesta época.Não sabia de nada.Nunca tinha lido Marx.

Anônimo disse...

É, havia muita cortina de fumaça. Pobre nação, a nossa, que também já esteve na mão da extrema direita. Posteriormente, diante da necessidade da abertura política e da alternância no poder, que foram concebidos FHC e Lula, por Golbery.