31 de dez. de 2007

Triste Fim

Policarpo Quaresma, o célebre personagem xenófobo de Lima Barreto, encaminhou requerimento à Câmara com a proposta de que a língua portuguesa fosse substituída pelo tupi.
O tupi, na mente conturbada do bravo Policarpo, era um idioma verdadeiramente brasileiro, cultura de um povo inteligente, uma identidade autóctone, ao contrário do português, um vernáculo que nos foi emprestado. Por conta de tamanha patriotada, ele virou motivo de piada em todos os jornais do Rio, foi tido como louco, perdeu o emprego e acabou no manicômio.
A realidade, de vez em quando, nos parece tão estranha quanto a ficção. Eis que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara - cujos membros igualmente fazem jus a uma robusta camisa-de-força - aprovou, por unanimidade, projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (foto), comunista juramentado, que veta estrangeirismos. Dispõe sobre a substituição de todas as expressões estrangeiras em uso no país por equivalentes ou neologismos na língua portuguesa, no exíguo prazo de 90 dias. Esta violência contra a liberdade de emprego pelo cidadão da língua que bem entender segue agora para votação em plenário, e corremos o risco seriíssimo de, mais uma vez, sermos obrigados a nos submeter à opinião do Estado, só porque um parlamentar alienado sofre da síndrome de Policarpo Quaresma.
A xenofobia de Aldo Rebelo é fruto da ignorância. O nacionalismo fanático torna o ser humano desconfiado de tudo que vem de fora; a ignorância faz com que não se reconheça que o processo pelo qual passa o português é a natural evolução da língua.

Leia a matéria de Antônio Sepúlveda no Jornal do Brasil online

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Giulio,
É preciso resgatar do arquivo dos jornais, a foto do deputado Aldo Rebelo e a mulher em festa de Brasília, elegantemente vestidos. Ela com um caríssimo casaco de pele. Esse senhor não é só um comunista juramentado, é também um hipócrita juramentado.
Essa gente quer é moldar o país a seu jeito, para então reinar absolutos.

ma gu disse...

Alô, Giulio.

PUTZ!

Anônimo disse...

Os lingüistas brasileiros são pessoas de vanguarda, com uma produção científica impressionante, impossível de ser totalmente lida, mesmo por quem exerce um sacerdócio de estudos. Quando eu estava fazendo pós-graduação em leitura e produção de textos, em Taubaté, mal eu tinha acabado de ler a bibliografia do curso, quase tive um ataque quando
fui à lojinha da Faculdade e já havia 8 volumes publicados sobre a greamática da língua oral, onde o tema da variação lingüística é a tônica dominante. A palavra "lanchar", já tão tradicional, é ainda um estrangeirismo? E pique-nique (pic-nic, em francês)? E abajur? O cara, além de louco, é ignorante.
Desculpe se me alongo, mas um das conseqüências mais devastadoras, na minha opinião da xenofobia são certos governos fascistas que, se aproveitando das diversas etnias coexistentes no Brasil, se impõem pela manipulação à maioria da população da mesma etnia nas regiões. É claro que essa mesma população que vota na bandeira da preservação da sua tradição, querendo que o poder não esteja em mãos de "estrangeiros" (que são migrantes nessas regiões, mesmo que brasileiros), são excluídas de tais governos. A Usp e Unicamp possuem alguns estudos da convivência das etnias no Litoral Norte de São Paulo, por exemplo, onde temos a etnia caiçara como povo fundamental da região, que acabou perdendo ssuas terras para migrantes e turistas. Há pseudo-governos salvadores que só salvam a si mesmos, a suas famílias e a alguns "estrangeiros" que lhe dão sustentação.

ma gu disse...

Alô, Giulio.

Sorry, mas tive de voltar aqui e me perdoe a extensão. Não havia lido a matéria de Antonio Sepúlveda no JB. Me é impossível deixar de repetir o mote do artigo: - "É claro que a lei é de uma imbecilidade atroz".

Leiam o santo Nelson Rodrigues, nordestino como ele, com sua pena sarcástica e impiedosa, em "A cabra vadia", sobre os 'idiotas confessos':

-"Vejam bem: — o imbecil não se envergonhava de o ser. Havia plena acomodação entre ele e sua insignificância. E admitia que só os “melhores” podem pensar, agir, decidir. Pois bem. O mundo foi assim, até outro dia. Há coisa de três ou quatro anos, uma telefonista aposentada me dizia: — “Eu não tenho o intelectual muito desenvolvido”. Não era queixa, era uma constatação. Santa senhora! Foi talvez a última idiota confessa do nosso tempo.

De repente, os idiotas descobriram que são em maior número. Sempre foram em maior número e não percebiam o óbvio ululante. E mais descobriram: — a vergonhosa inferioridade numérica dos “melhores”. Para um “gênio”, 800 mil, 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de cretinos. E, certo dia, um idiota resolveu testar o poder numérico: — trepou num caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma multidão. O orador teve a solidariedade fulminante dos outros idiotas. A multidão crescia como num pesadelo. Em quinze minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão."

A descrição não é realística, sobre a massa de paulistas (envergonho-me pelos correligionários) que votam nele?